Crítica – Você Não Estava Aqui

Ken Loach parece ser um herdeiro direto do neorrealismo italiano ou até dos filmes de Charles Chaplin ao tratar as relações de trabalho no mundo. Não apesas no trabalho, mas também em como esse desgaste emocional da construção social contemporânea pode chegar a níveis alarmantes em boa parte da população mundial. Em seu Eu, Daniel Blake, de 2016, vencedor da Palma de Ouro no Festival de Cannes, ele leva esse caminho até as últimas consequências para retratar a relação da previdência. Em seu projeto seguinte, Você Não Estava Aqui, ele retoma como os caminhos urbanos estão atrelados a uma certa nova maneira de ver o trabalho. Uma espécie de ‘uberização’ de mundo.

Afim de contar isso, o cineasta conta sobre a história da família Turner, especialmente seu pai, Ricky (Kris Hitchen). Ele arruma um emprego em uma forma de franquia em entrega de objetos comprados na internet, tendo a possibilidade de trabalhar “por si próprio” – e ficando deslumbrado com isso. O problema é que esse novo trabalho faz a família revirar nas suas relações, na qual já estavam difíceis. O apogeu de tudo vira o mau comportamento constante do filho, Seb (Rhys Stone). Sem poder fugir de suas relações empregatícias, ele precisa arrumar uma maneira de lidar com as duas coisas ao mesmo tempo.

Essa produção remete bastante ao livro recém-lançado A Nova Idade das Trevas, de James Bridle. O artista visual e jornalista trata de um paralelo histórico da contemporaneidade do mundo em conjunto a idade das trevas, nome reconhecido da Idade Média. Para abordar isso, fala que o globo vive uma série de ideias retrógradas, além de um controle informacional e econômico cada vez maior na mão de ricos/grandes empresas. Dessa maneira, os trabalhadores, embaixo nessa pirâmide social, vivem um eterno ciclo de parecerem que estão libertos, porém vivendo cada vez mais presos em toda essa trajetória social, nova para os humanos.

É mais ou menos nessa realidade que vive Ricky e sua esposa Abbie (Debbie Honeywood). Os dois são retratados sempre na encenação correndo atrás dentro do trabalho. Enquanto o primeiro vive andando com seu carro em cada um dos lugares para entregar as encomendas, sua mulher trabalha como assistente social e cuidadora de idosos. Ela não possui também nada empregatício certeiramente, por isso deve ir de casa em casa por ônibus pagos do seu próprio bolso. Loach constrói, assim, um sentimento de angústia nesse universo. Todos ali vivem um auge complicado pessoalmente e financeiramente, visto que – caso não trabalhem – não ganham, inclusive chegando ao caso de ter que pagar por isso.

Mesmo com esses elementos saindo-se bem na tela, talvez falte uma maior coesão cênica deles dentro do desenvolvimento de personagens. Todos ali são colocados como altamente superficiais, sem possuírem quaisquer desenvolvimento sobre um passado mais próximo da família. Talvez o protagonista seja o único a ter uma maior personalidade nesse sentido, pelo fato de ser mais duro perante o filho. Mesmo com isso, toda essa superficialidade ainda passa no lado do “patrão” desse personagem, que é totalmente apático e vive simplesmente destruíndo moralmente. Ele, na qual abre o filme falando com Ricky, busca trazer sempre um lado positivo do trabalho. Todavia, é uma simples figura construída para ser maléfica.

Em suas relações mais abrangentes e, especialmente, quando aborda sobre a forma desse novo trabalho destruir um padrão familiar, Você Não Estava Aqui consegue puxar o público para uma jornada bastante particular. O problema é que acaba, em conjunto a isso, desenvolvendo toda uma questão íntima desses indivíduos em casa que nunca realmente anda por uma falta de consolidação prévia. Ken Loach parece não querer se importar com isso e, até por esse motivo, deixa seus personagens envolverem a audiência mais por uma empatia externa do que realmente algo consolidado dentro da narrativa.

Esse texto faz parte da nossa cobertura do Festival do Rio 2019

Comentários

Cláudio Gabriel

É apaixonado por cinema, séries, música, quadrinhos e qualquer elemento da cultura pop que o faça feliz. Seu maior sonho é ver o Senta Aí sendo reconhecido... e acha que isso está mais próximo do que se espera.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *