Crítica – Uma Mulher Alta

A Guerra não tem rosto de mulher. Assim é o título do livro da escritora Svetlana Aleksiévitch, que ficou mais reconhecida esse ano pela sua obra Vozes de Tchernóbil: Crônica Do Futuro, adaptada em série pela HBO. Nessa primeira obra citada, existe uma forte inspiração para Uma Mulher Alta, novo filme de Kantemir Balagov. As mulheres em guerras, sempre renegadas as fotos e olhares mais famosos, ficam em destaque aqui. Porém, não em batalhas ou conflitos complexos no meio de disputas territorais, e sim como instrumentos de segurar todo o regimento do país. A morte ronda todo esse universo da Rússia, logo após o final da segunda guerra mundial. A mesma na qual rondou o mundo de 1939 a 1945.

E é nesse ano findouro das batalhas que começamos a acompanhar a trajetória de Iya (Viktoria Miroshnichenko). Vivendo em Leningrado – hoje sob o nome de São Petersburgo -, ela trabalha em um hospital ajudando alguns dos feridos e sobreviventes da segunda grande guerra. Esses, que contém um certo até nível de afinidade com ela, inclusive realizando diversas brincadeiras. Ao mesmo tempo, Iya cuida do filho de sua amiga Masha (Vasilisa Perelygina), que acaba de retornar dos conflitos. Vivendo juntas, as duas precisam adaptar-se a essa nova e complexa realidade, sob julgamentos e um psicológico abalado depois desse tempo.

Em uma característica básica, Iya destaca-se de outras mulheres: é muito alta, em um país na qual as pessoas não possuem grande estatura. Por isso, é chamada a todo instante de ‘grandona’ (como mostra na legenda e no título do longa), quase como um ente próprio. O fato de ser alta, na realidade, acaba por demonstrar uma espécie de acovardamento ainda maior. Ela ainda possui o trauma do confronto, em que também lutou, acabando por ficar em certos instantes totalmente paralisada e apenas balbuciando algumas pequenas palavras – fato esse, inclusive, que abre a projeção. Essa dualidade de altura e perpestiva formam essa protagonista.

Inteiramente diferente de sua personalidade está Masha. Muito mais decidida e buscando afrontar a tudo e todos, ela não tem medo até de mostrar o seu líbido sexual com pessoas que acabou de conhecer na real. Sua força está em tomar as próprias decisões, apesar de sempre demonstrar um medo delas, sem saber se está correta nisso. A câmera de Kantemir reflete bem o peso do mundo sobre essas personagens. Enquanto a primeira citada sempre possui planos bastante abertos, como se fosse menor nesse cosmo, a segunda parece mais segura de si, com a direção buscando sempre mostrar seu rosto. O diálogo final, por sinal, é talvez a maior síntese disso.

O peso da melancolia encarnada na narrativa está no silêncio. Ele é o grande motor sonoro da história, trazendo uma força de fora, oprimindo a vivência de ambas. Aliás, é interessante como o diretor impacta ainda mais nisso na transformação carnal de suas protagonistas, sempre necessitando desse toque. O sexo torna-se um detalhe quase esquisito nesse mundo, interpelado por uma total falta de emoção e de som. Essa ambientação causa um peso dramático bem único, fortalecido pela falta de comida nos espaços, a falta de privacidade em tomar banho. Tudo ali gera um desconforto crescente para uma Rússia depressiva.

Em um enredo tão denso, é complicado quando uma trama sabe o tempo certo de colocar suas personas principais nos espaços e tempos certos. Em Uma Mulher Alta, até tempo uma construção espacial bem interessada nos espaços articulados, rememorando até bastante A Ascensão, de Larisa Shepitko. Apesar disso, a obra apoia-se demais nesses elementos, causando uma necessidade de um menor enfoque as pequenas cenas. Os momentos mais grandiosos perdem até sua potência narrativa nisso, tornando-se meramente parte daquele todo. Em um lugar das decepções, as mulheres de 1945 possuíam seu espaço contínuo e onipresente. Ao trazer isso sem potencializar os pequenos momentos dessas mesmas mulheres, o filme se perde em poder ser ainda maior.

Esse texto faz parte da nossa cobertura do Festival do Rio 2019

 

Comentários

Cláudio Gabriel

É apaixonado por cinema, séries, música, quadrinhos e qualquer elemento da cultura pop que o faça feliz. Seu maior sonho é ver o Senta Aí sendo reconhecido... e acha que isso está mais próximo do que se espera.

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