Crítica – Voltei!

É curioso observar a trajetória dos filmes de Ary Rosa e Glenda Nicácio. Começando lá em 2017, com Café com Canela, até 2021, com o Voltei!. Seus filmes, com o passar do tempo, adotaram cenários cada vez mais simples, enquanto suas tramas parecem abordar questões cada vez maiores. Café com Canela apostava em uma narrativa não linear em uma pequena cidade baiana para contar a história de um resgate emocional de uma professora enlutada, Ilha era uma história de amor misturada com questões sobre o fazer cinema, em Até o Fim, uma mesa de bar se tornou palco para exorcismos da sombra do machismo e resolução de conflitos familiares, e agora, com Voltei!, um único cômodo é o espaço em que o passado do Brasil se encontra com o presente/futuro do mesmo, com pouca distinção entre os dois.

No longa, o ano é 2030, e durante um apagão nacional que já dura mais de um mês, o presidente do país está sendo julgado pelo Supremo Tribunal Federal. Nessa noite fatídica, duas irmãs, Sabrina (Mary Diaz) e Alayr (Wall Diaz) se reúnem para ouvir o destino do país ser decidido por meio de um radinho de pilha. No curso da noite, uma presença inesperada: a de Fátima (Arlete Diaz), irmã que as duas consideravam como morta já a anos. Reunidas novamente, o trio conversa sobre vida e seus desafios, enquanto esperam o resultado do julgamento.

Há muito de Até o Fim nessa nova produção da dupla baiana. Isso porque o dispositivo é praticamente o mesmo: irmãs se reúnem e conversam, com o peso de certas ações do passado vindo à tona nesse diálogo. Mas o ineditismo aqui fica por conta dos temas mais evidentemente políticos da trama, uma tentativa de localizar aquela situação firmemente na nossa realidade política atual. Não é preciso muito esforço para entender que o presidente – cujo nome não é citado – é análogo, ou até mesmo o próprio, ao Jair Bolsonaro, e até mesmo o coronavírus é presente, de modo sutil, mas inegável. O nome dos ministros votantes são uma amálgama entre passado e presente, com um recebendo o nome de Damares Ustra.

Que o Brasil ainda carrega o peso do passado é uma afirmação fácil de se fazer, o problema é que, fora dessas tiradas e de alguns aspectos pessoais das personagens, essa “sombra” não se articula muito bem na narrativa. Ainda pensando em Até o Fim, se nesse longa a encenação consegue criar uma relação muito forte daquelas mulheres com o mundo, particularmente por meio de seus corpos e atitudes, em Voltei! é tudo muito estático, soa mais teatro – algo que o longa de 2020 já tinha um pouco – que cinema.

São longas as cenas em que a câmera se contenta em simplesmente ficar ali observar essas mulheres conversando, porém os diálogos nunca conseguem segurar o longa por conta própria, pois são extremamente repetitivos. São diversos os momentos que Alayr conta algum “causo” curioso e que termos se repetem, como se tentassem criar um bordão para ser replicado por aí.

Voltei! soa como uma tentativa de comentar algo sobre o momento em que passamos, mas não consegue organizar as peças o bastante para isso. Diante do triunfo absoluto que é Até o Fim, é um tropeço triste para uma dupla que já entregou obras tão lindas para o nosso cinema.

Esse texto faz parte da nossa cobertura da 24ª Mostra Tiradentes.

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