Entrevista com Wagner Willian, de Silvestre
Wagner Willian já virou um dos grandes nomes da indústria dos quadrinhos. Ao iniciar sua carreira, em 2014, lançando Lobisomem Sem Barba, o autor já ganhou seu renome, na qual foi construído sob diversas histórias sempre complexas e intrigantes. Seu maior ápice viria logo na sequência, com Bulldogma, em 2016.
Todavia, o autor não buscou seguir um caminho quase padrão em seus eixos temáticos. Todos perpassando sobre a humanidade, ele aborda diversas conexões narrativas com a maneira dos seres humanos observarem o mundo. Com sua arte extremamente marcante, ele ainda conseguiu realizar uma certa “adaptação” de A Paixão de Joana d’Arc, filme de 1928, em O Martírio de Joana Dark Side.
Para complementar, seu recente lançamento não parece seguir nenhum desses caminhos. Silvestre é um quadrinho bastante singular, abordando um pouco sobre toda a concepção de relações humanas. Em uma resenha feita no blog do Plural, abordei sobre a concepção da floresta ser tão relevante para o trabalho. Essa, capaz de buscar elementos quase irreconhecíveis e os mais profundos da nossa animalidade.
Senta Aí: Silvestre é sobre a selva animalesca, mas também selvas humanas. Você concorda? Como definiria a HQ tematicamente?
Wagner Willian: Totalmente. Acredito ser possível definí-la como monoteísmo vs politeísmo, homem vs natureza, realidade vs fantasia, sobrevivência vs tempo.
SA: Vi que você teve um processo longo na produção do quadrinho, especialmente após as mudanças políticas do país desde 2016. De que forma essas modificações aconteceram dentro da obra?
WW: Não apenas estão invadindo o território das tribos, mas diversas lideranças indígenas estão sendo assassinadas. Não seria surpresa alguma descobrir que há um genocídio indígena em curso com uma certa conivência política. Do mesmo modo que vemos um levante teocrático tomando todas as esferas. Terminei Silvestre com esse cenário ardendo a minha volta. É claro que a obra não poderia deixar de atravessar esses temas.
SA: Há um uso de diversas formas e maneiras para trazer os desenhos, além de um uso misturado no roteiro. Como foi pensada toda essa produção?
WW: Pelo caráter silvestre da obra me permiti ser o mais livre possível. Assim, cada página foi realizada sem qualquer tipo de determinação prévia sobre a técnica usada. Quando quis usar nanquim, usei. Quando quis o óleo, joguei lá. “Aqui vale um sanguinho. Bora.”
SA: Quando os acontecimentos tomam uma forma mais potente em Silvestre, diversas misturas culturais e estéticas são realizadas. Isso decorreu de uma maneira natural na realização ou foi algo com algum tempo de estudo?
WW: Quando saquei que havia a possibilidade de criar esse embate multicultural em um local pequeno, percebi ali que poderia armar um grande barril de pólvora. Fui atrás de entidades que acendessem o pavil para mim. Demônios sexuais, entidades ligadas a loucura, a morte, etc.
SA: Como você observa a repercussão em torno da HQ após o lançamento pela Darkside?
WW: Está sendo incrível. A Darkside tem um hype imenso e uma legião de fãs. São extremamente ativos nas redes sociais. Tem um ótimo trabalho de marketing e distribuição. Alguns dos leitores fizeram fotos lindas com o livro como a Clayci Oliveira e a Milena do Enevoadas.
SA: Como você vê esse trabalho comparado com suas outras realizações, como O Martírio de Joana Dark Side ou Bulldogma?
WW: Pra começar é o meu primeiro colorido. Em relação a maneira como aborda a religião, Silvestre se aproxima do Martírio de Joana. Sobre as poderaçôes do real, Bulldogma.
SA: Seríamos todos silvestres?
WW: Para citar G. K Chersterton, a própria civilização é “o mais sensacional dos desvios e a mais romântica das rebeliões.” Naturalmente, alguns são mais silvestres do que outros. Muito tem a ver com a construção cultural de cada um, sabendo-se que a boa educação não tem classe social. Outra parte dizem ficar a cargo da maneira com que o cérebro responde aos estímulos. Vejo com interesse aqueles que não se adequam a ordem vigente, que não se dobram feito cavalos indomáveis, a boa selvageria. O grande problema se dá quando outro tipo de selvageria ganha voz e corpo na figura política onde a razoabilidade deveria prevalecer. Quando um governo se propuser a bestialidade, a razão do povo será a primeira vítima.