Homecoming e o reinado de Beyoncé

É fato que Beyoncé Flawless é uma das maiores artistas da humanidade na atualidade. E, possivelmente, há algum tempo. Sua carreira remonta os anos 90, na qual fazia parte do trio Destiny’s Child, sendo a única de destaque logo após o final. Lançando “Crazy in Love” em 2003, ainda no início de seu trabalho solo, ela simplesmente criou um dos maiores hits do século XXI. Beyoncé é isso tudo. Sua veia artística fez partir de um lado totalmente mais pop, para o rap, até sondando com o rock em Lemonade, por exemplo.

Entretanto, é incrível perceber como a artista não possuía nenhum show totalmente marcante ao longo de seus mais de 20 anos em atividade. Ok, já houveram grandes concertos, mas não uma gigantesca performance. Isso tudo foi passado por cima quando Flawless realizou no último festival Coachella duas apresentações significativas. Não apenas pelo ponto de vista musical. O conjunto da realização, pela grande força do desempenho, geraram algo extremamente único. E, o mais impressionante de tudo, é ela já saber disso. Dessa forma, a cantora lançou Homecoming, um documentário mostrando os bastidores e pensamentos do espetáculo – além dele por si só. Ao assumir o papel de roteirista, diretora e produtora-executiva, tomou toda a situação e trouxe para o lado de mostrar como ela se transformou em uma rainha.

Não a toa tudo já começa com roupas remetendo ao Egito das dançarinas e Beyoncé como Cleopátra. Acontece uma encenação introdutória, antes de propriamente começarem as músicas. Já nesse instante, existe uma particularização da compositora, com a construção de uma pirâmide e ela sempre rondando o centro. Seja pelo alto (quase na forma de deusa), seja por baixo (se transformando em uma líder). Interessante a maneira dessas questões serem colocadas pelo fato dela se portar sob um carisma único. As risadas, a dança, a felicidade, tudo parece genuinamente original. É uma forma do longa em si admitir a figura sendo tão gigantesca a ponto de todos os seus gestos serem fáceis.

Mas, o grande contraponto se estabelece nas cenas por “detrás dos palcos”. Primeiramente pelo fato de complementar essa genuinidade, porém por um lado cansativo. Como se a artista tivesse cansada por essa rotina – esse show era sua volta aos palcos. Seguidamente, pelo fato de querer se dedicar ao máximo para uma causa. Muitas vezes, Beyoncé valoriza a importância da performance a causa da comunidade negra do que a sua carreira. É realmente impressionante sua dedicação nesse ponto, até na maneira de elaborar as roupas pelos/as dançarinos/as. Existe um expoente tão claro de representatividade que todos a sua volta no local eram negros. A própria maneira de mostrar o público é focando em pessoas negras e na sua felicidade ao ver a demonstração do “reinado”.

Apesar dos poucos períodos, as inserções do anterior sempre chamam bastante atenção. Para além da citada acima, existe uma compaixão e amizade demonstradas ali. Tudo para a realização de algo perfeito. Todavia, a cantora parece também refletir um pouco sobre seu espaço. Espaço de privilégio por fazer sucesso e poder ser a primeira mulher negra como headliner no Coachella. Espaço na qual pode falar sobre o abandono dessas mulheres. Espaço aonde se pode colocar de frente o empoderamento. Acima de tudo, um espaço de comunidade, algo demonstrado em uma das diversas falas quase “interludiais”. É um período de uma intensa autorreflexão sobre seu papel social e como militante. E a maneira mais singela disso tudo fica pelo quesito familiar, aonde ela se demonstra com bastante amor e quase passa o bastão para sua filha querendo cantar.

Beyoncé Flawless se conhece, sabe da sua importância e de seu reinado no meio da música. Ao fazer e produzir Homecoming, ela parece colocar a mão na consciência para saber de qual forma pode fazer esse reinado. É uma espécie de pergunta para seus fãs de longa data e os novos, tentando descobrir e perceber os papéis no mundo. Acima de tudo, ela afirma uma necessidade de debate sobre a condição dos negros e da mulher negra, se pondo de frente para essa situação. Ela expõe a simples necessidade desse povo de colocar sua arte e ser feliz (algo representado de forma belíssima na cena sobre aceitação de corpos). Para se entender, a artista remete a si mesma. Não ao seu passado, mas sim ao presente. Sim ao perceber, simplesmente, que ela pode controlar tudo, mas abrir espaços. Mostrar como e porque é realmente a rainha da música atual.

Comentários

Cláudio Gabriel

É apaixonado por cinema, séries, música, quadrinhos e qualquer elemento da cultura pop que o faça feliz. Seu maior sonho é ver o Senta Aí sendo reconhecido... e acha que isso está mais próximo do que se espera.

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