O horror familiar de Mike Flanagan

O cinema de horror é inegavelmente famoso por suas tendências. Apesar de não ser visto com bons olhos pela crítica e pelas premiações, que raramente dão chance aos filhos do gênero, o terror está em constante renovação em termos de técnica, história, qualidade e quantidade. Isso pode explicar não só o engajamento do público mas também uma de suas características mais marcantes ao longo do século XX: as tendências. Até os anos 1940, era comum basear-se em histórias mais góticas, clássicos contos de monstros. Com o avanço da tecnologia a partir dos anos 1950 e 1960, a humanidade se encontrava em conflito com ameaças do exterior: alienígenas, plantas carnívoras, zumbis, a maioria com uma forte influência da ficção científica. O final da década de setenta nos trouxe os exploitation e iniciou a onda de slashers que seguiu até os anos 80, prolongado com o primo perdido que foi a onda de thrillers juvenis pós-Pânico. Os anos 2000 foram recheados de adaptações e remakes de filmes asiáticos, com garotas pálidas enchendo as salas de cinema por quase metade da década competindo apenas com os torture porn, filhos de Jogos Mortais. 

No entanto, pós-2010 foi difícil observar uma tendência de escala semelhante às citadas. Talvez a presença mais constante seja a dos primos perdidos de O Exorcista. É inegável como James Wan, após filmes como Sobrenatural Invocação do Mal tornou-se um dos maiores nomes em horror mainstream, mas é a modesta (até agora) filmografia do americano Mike Flanagan que me chama atenção. Apesar de seus trabalhos não apresentarem o mesmo êxito comercial de Wan, pode-se dizer que trabalha tanto quanto ele, lançando sete filmes e uma série desde sua primeira película de estúdio em 2013.

Além de diretor, o americano também participa do roteiro e da edição da maioria de seus projetos. Mas seu diferencial é outro. Dramas e dinâmicas familiares não são estranhos ao gênero, muito pelo contrário. No entanto, Flanagan trabalha esses temas de maneira sensível e ao mesmo tempo assustadora, costurando-os de maneira intrínseca ao que há de assustador na história que está sendo contada.

O Espelho

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Uma das primeiras entradas de Flanagan no cinema mainstream, Oculus é baseado em um curta que o diretor fez em 2005, que contava somente com um cenário, um ator e um espelho. A história fala sobre Kaylie, uma jovem que está determinada a provar que um espelho amaldiçoado é o verdadeiro culpa pela morte e ruína que atingiu sua família. A narrativa alterna entre passado e presente, explorando dois momentos: o momento em que o espelho chega ao lar da família Russell, uma família sólida formada por um casal e seus dois filhos, e anos depois, quando o filho caçula é liberado de um hospital psiquiátrico e reencontra sua irmã.

A primeira coisa a ser considerada é como, para acrescentar credibilidade e funcionamento à história, muitos filmes que variam entre drama e horror carregam o elemento do “mas será mesmo?”. Será que realmente foi um espírito ou nosso protagonista só está louco? Realmente há uma figura maligna aqui ou estão induzindo alucinações no personagem principal através de remédios? Para Flanagan, isso nunca é o caso. Há espaço para os dois. Uma presença, um espírito, um mistério se esconde nas paredes, mas ali também está presente a mágoa, o segredo, a infidelidade e a falta de confiança. Esses dois lados podem destruir uma família com a mesma intensidade e é isso que o diretor propõe.

O Sono da Morte

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Com um elenco estelar, o Sono da Morte (tradução preguiçosa para Before I Wake) foi lançado em 2016 com uma veia levemente mais fantasiosa. A história segue o pequeno Cody (interpretado por Jacob Tremblay), um órfão que acaba de ser adotado por um bondoso casal. Jessie e Mark aceitam Cody de braços abertos apesar de ainda estarem se recuperando da perda de seu primeiro filho, Sean. Não demora muito para que eles descubram que o pequeno tem uma habilidade muito incomum de transformar seus sonhos em realidade, sem imaginar que isso pode ser muito mais perigoso do que imaginam.

Aqui, é novamente discutido o tema do luto e do trauma emocional que pode acompanhar uma pessoa ou uma família. Além disso, traz também toda a questão da responsabilidade de ser pai e de tomar conta de uma criança e como é complicado mantê-la a salvo dos perigos do mundo – sejam eles sobrenaturais ou não. O filme se destaca por trazer a estrela mirim Jacob Tremblay em um projeto onde poucos esperariam vê-lo após o sucesso conquistado com O Quarto de Jack, mesmo que Before I Wake tenha sido gravado antes. Além disso, a fantasia intrínseca à narrativa também é um diferencial, entregando pequenas cenas de esmero visual ao longo do filme, ainda que bastante simples.

Ouija: a origem do mal

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Talvez minha película favorita entre as discutidas, Ouija tinha um grande trabalho nas mãos. Sequência de um grande sucesso financeiro e fracasso semelhante nas críticas, o longa é a primeira colaboração entre Flanagan e a hoje prestigiada Blumhouse Pictures, divisão da Universal voltada para longas de horror. Comandada por Jason Blum, a fórmula da produtora é simples e eficaz: investimento pouco e certeiro e um retorno triplicado em bilheteria. Ao longo dos anos, porém, Blum começou a arriscar mais alto, confiando muita liberdade criativa a seus diretores. Isso acabou trazendo também os olhos da crítica especializada aos filhos da Blumhouse, com o maior exemplo sendo Corra!, de Jordan Peele, que alavancou a carreira do diretor e conseguiu quatro indicações ao Oscar.

Antes disso tudo, no entanto, Flanagan entregou este simples e efetivo filme, que funciona como uma prequel do filme original. A história se passa nos anos 60 e acompanha a família Zander, composta de Alice, uma mãe vidente, e suas duas filhas, a adolescente Paulina e a pequena Doris. Para este trio, o além não é só um familiar, mas também é o ganha pão da família, através das falsas reuniões com os mortos promovidas por Alice para seus clientes. Tudo muda, no entanto, quando Alice passa a usar um tabuleiro Ouija como trabalho. Doris acaba usando o instrumento para se comunicar com seu falecido pai, convidando uma entidade com intenções nada boas para a família Zander.

Em Ouija: Origem do Mal, o cineasta se destaca também no campo da direção de arte, entregando um projeto fortemente influenciado pelo estilo. Todo o figurino e a fotografia estão fortemente mergulhos na iconologia da década de 60, algo que se estende aos penteados e atinge até mesmo as personalidades dos personagens. Os planos e técnicas não fogem disso, com maior parte da película mantendo-se no campo dos efeitos práticos e usando CGI o mínimo possível. Com uma galeria de personagens pequena, o roteiro os constrói de maneira sólida o suficiente para que nos importemos com eles, mesmo sabendo de certa maneira que suas histórias não terão um final feliz. Infelizmente, por ser o produto de uma franquia, não havia como fugir de elementos presentes no capítulo anterior, o que acaba diminuindo um pouco a autenticidade e o frescor que a trama traz, mas ainda assim não é o suficiente para fazê-lo mais um entre a multidão de filmes de terror de estúdio puramente preocupados com sustos fáceis.

A maldição da residência Hill

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Provavelmente a produção mais popular do diretor, por se tratar de uma série original Netflix, A Maldição da Residência Hill não era muito aguardada nem quebrou recordes de audiência para o serviço de streaming, mas é um exemplo do encontro perfeito entre cinema, televisão, uma boa adaptação e desenvolvimento de personagens. Inspirado no clássico romance de Shirley Jackson, Flanagan preferiu manter alguns elementos de fora e trazer uma das casas assombradas mais famosas da ficção para uma roupagem mais íntima e simples, mas sem deixar de ser assustadora.

Tematicamente e funcionalmente, a série traça algumas semelhanças com O Espelho. Ambas alternam a narrativa entre passado e presente, buscando explicar o que e como o fantasmagórico mudou e afetou a vida e a psicológico dos personagens principais. Em 1992, a família Crain (os pais, Hugh e Olivia, e as crianças Steven, Shirley, Theodora, Luke e Nell) se muda para a mansão Hill para reformar o lugar, planejando passando não mais do que um verão realizando o trabalho, para vender a casa renovando e finalmente construir seu novo lar, criado pela matriarca Olivia. No entanto, a mansão exige cada vez mais reparos inesperados, obrigando a família a passar mais tempo no local, colocando a família em meio a experiências sobrenaturais cada vez maiores e mais perigosas, culminando em eventos que afetarão a vida de todos para sempre. 26 anos, a tragédia ronda a família novamente e a família separada pelos horrores do passado deve se unir novamente para confrontar o mal que tanto os persegue.

Flanagan faz ótimo uso do tempo que a televisão oferece para quem quer contar uma história, e conta a da família Crain da melhor maneira que pode. Cada personagem carrega consigo não só grandes traços de personalidade, mas também pesos e traumas que vão sendo discutidos e testados ao longo dos episódios. O sexto episódio é um dos mais pesados emocionalmente, ao trazer para o centro da história a morte de um dos principais personagens. Durante o velório, acaloradas discussões surgem e ressurgem, tudo isso sendo mostrado através de planos-sequência cada vez mais longos e complexos. De todos as produções discutidas, talvez essa seja aquela que mais se distancia do terror propriamente dito, se aproximando muito mais de um drama sobrenatural, o que não a torna menos assustadora do que as outras.

Outros títulos que merecem atenção são Hush – A morte ouve, sobre uma mulher surda e muda que se encontra refém de um homem mascarado que quer matá-la, e Jogo Perigoso, adaptação do livro de Stephen King sobre uma mulher que se vê encurralada em um cenário terrível após viajar com o marido, ambos filmes originais da Netflix. Além disso, o cineasta retorna ao cinema e ao mundo de Stephen King este ano dirigindo a adaptação de Doutor Sono, a controversa sequência de O Iluminado.

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