Os sentimentos em Steven Universo
Desenhos animados foram, durante muito tempo, considerados produtos dedicados exclusivamente ao público infantil, e portanto, fúteis, simples ou “bobos” demais para que alguém acima da faixa etária almejada curta de verdade. Essa visão, ainda que não unânime, é bastante frequente fora do círculo de fãs de cultura pop em geral. No entanto, já foi provado repetidas vezes através dos anos que isso é uma falácia.
É necessário, antes de tudo, observar que a animação em si têm diversas ramificações. Logicamente, há as animações direcionadas ao público adulto, como Family Guy e Rick & Morty, mas o foco aqui não é neste nicho. Estamos falando aqui sobre desenhos feitos para serem apreciados pelo público infantil mesmo, ainda que muitas vezes consiga fãs fiéis que passam dos 30 anos.
O Cartoon Network é um dos maiores canais de programação animada do mundo (se não o maior) e é o responsável por inundar a infância de muita gente com nomes clássicos como As Meninas Super Poderosas, O Laboratório de Dexter, As Terríveis Aventuras de Billy & Mandy, entre outros. Um dos títulos mais famosos da safra mais recente do canal é Steven Universo.
Criado por Rebecca Sugar em 2013, o desenho fala sobre um garotinho chamado Steven Universo, que vive com três guerreiras alienígenas na cidade de Beach City. Garnet, Ametista e Pérola são as guardiãs de Steven e o treinam para se tornar uma Crystal Gem, assim como elas. Acompanhamos então as aventuras de Steven e as Crystal Gems enquanto protegem Beach City, ao mesmo tempo em que somos guiados pelas vidas pessoais não só destes personagens, mas também dos habitantes da pequena cidade.
Apesar de toda a trama envolvendo os seres mágicos feitos de cristal ser apenas mais um trunfo da criação de Rebecca Sugar, com uma construção de mundo ímpar, são os dilemas culturais, sociais e pessoais que fazem de Steven Universo uma obra com um estudo e desenvolvimento de personagem como pouco se vê na ficção, que dirá num desenho (muitas aspas) “infantil”.
De agora em diante, teremos alguns spoilers, então se você não viu o desenho ainda e pretende começar, vou colocar um aviso para que ninguém me xingue nos comentários.
A experiência pós-traumática de Lapis Lazuli
Lapis Lazuli, como Garnet, Pérola e Ametista, vem do planeta Homeworld, sendo introduzida durante a primeira temporada. O desenho estabelece que as Crystal Gems vieram para a Terra após uma guerra em seu planeta natal. Assim como as Crystal Gems, Lapis carrega em si uma grande tristeza e mágoa com o mundo, devido à sua inortodoxa participação na guerra. Apesar de ocasionalmente mostrar bom humor, simpatia e bondade, muitas vezes Lapis reprime a si mesma e quase não se permite começar realmente uma vida nova na Terra devido aos seus traumas do passado. Além disso, as experiências que a personagem a marcaram para sempre. À qualquer sugestão das gems do planeta natal, Lapis se apavora e é possível ver em sua voz (graças ao trabalha das dubladoras Jennifer Paz e Marcia Morelli) o desespero e o medo de se envolver novamente com a guerra. Em diversos momentos, é possível perceber que a personagem está enfrentando não somente um estresse pós traumático, mas também uma depressão profunda.
A insegurança de Ametista
Diferente das outras Crystal Gems, Ametista nunca conheceu Homeworld. Ela foi criada na Terra e é a partir daí que os conflitos da personagem começam. Para muitos, Ametista é a personagem menos interessante do desenho, mas isso dura pouco. Por não ter ser criada no planeta natal como suas companheiras, Ametista sente-se inferior ou menos capaz. Em diversos momentos, fica claro que a personagem têm constantes vozes dentro de si dizendo o quanto ela é insuficiente. No episódio “On the Run”, no qual ela e Steve conhecem o lugar onde foi criada na Terra, Ametista diz à Pérola: “Não vou deixar que você fique aqui repetindo tudo que eu odeio em mim mesma”. Portanto, ainda que muitas vezes seja possível esquecer com as piadinhas e as metamorfoses, Ametista é uma das mais complexas personagens do programa. Mais do que isso, ela é uma expressão de como ninguém em Steven Universo é perfeito ou unidimensial.
O luto de Pérola
Durante uma guerra, é quase impossível não haver perdas. No entanto, foi após a guerra que Pérola sofreu a maior perda de sua vida. Rose Quartz, a mãe de Steven e líder das Crystal Gems, teve que deixar de existir para que ele pudesse nascer. Pérola era a fiel escudeira de Rose Quartz e tinha uma forte relação com ela. Ao longo dos episódios, vemos que é muito difícil para a personagem falar sobre sua perda ou seus sentimentos sobre Rose em si. Em certos episódios, é possível notar que Pérola guarda até certo ressentimento com Steven e Greg. Por enquanto, a relação entre Pérola e Rose ainda não teve o destaque que precisa. No entanto, somente pelas ações e lembranças que Pérola guarda sobre a guerreira, é possível notar a saudade e a dor que a perda lhe causou. Em um dos episódios que mais abordam o luto de Pérola, ela diz: “Tudo que fiz, fiz por ela. Agora ela se foi, e eu ainda estou aqui.”
Isso também é evidenciado em uma das famosas músicas da série:
É preciso, portanto, parabenizar a coragem de Rebecca Sugar por abordar assuntos e temas complexos de maneira sutil (outras vezes, nem tanto) e doce, sem suavizar ou diminuir a importância deles.
Talvez, desenhos animados não sejam para você. Não que você os considere ruins ou algo assim, só não sejam sua praia. Mas é inegável que Steven Universo é um dos programas mais diferentes, corajosos e especiais na televisão atualmente e merece toda a atenção e elogios que recebe.