Resenha – Bolo Preto (Charmaine Wilkerson)

Bolo Preto é uma espécie de livro de memórias. Já que ele repassa um passado e até mesmo o presente, que está intrinsicamente conectado com esse período anterior. É como se todos os personagens, os dramas, as tramas, e tudo mais, estivessem inteiramente relacionadas a algum problema primordial, pelo qual boa parte dele entenderemos no decorrer da narrativa. Em certo sentido, há até um olhar meio psicológico da coisa, justamente por buscar os traumas do presente pelo viés anterior. Além disso, essa memória é bem menos individual do que se pensa – relacionada apenas aos protagonistas. Ela também é parte de um coletivismo de uma sociedade.

Com esses temas, Charmaine Wilkerson transforma sua escrita em uma grande mistura de sensações. Os capítulos – quase sempre extremamente pequenos – dão uma dinâmica necessária para esses paralelos que a obra irá apresentar por si só. Essa que conta a história de dois irmãos: Byron e Benny. Ambos extremamente próximos quando eram mais novos, mas que acabaram se afastando no decorrer dos anos. Eles acabam tendo que se aproximar depois que a mãe dos dois, Eleanor Bennett, morre. Em um reencontro frio, os irmãos são obrigados também a assistir a um vídeo testemunho da figura materna, revelando diversos segredos da família que não eram conhecidos por ninguém.

É interessante como Bolo Preto tem uma narrativa totalmente dramatizada dos acontecimentos (não há nenhum respingo para suspiros ou algum traço de comédia por aqui, tudo se resume aos sofrimentos que apenas se repassam). Só que, ao mesmo tempo, também traz seu verniz extremamente pop para a leitura – não a toa vai se transformar em uma série de TV do Hulu. Esse lado comercial da coisa está presente em uma trama que não perde seu lado mais espirituoso e de buscar, a todo instante, construir um suspense perante o leitor. Descobrimos cada coisa nova junto com o casal de protagonistas, como se estivéssemos na pele deles.

Além dessa construção da própria escrita, Wilkerson também dá muito espaço para personagens extremamente dúbios. Nenhum deles está totalmente certo das atitudes que faz, ao mesmo tempo que os irmãos também não se vêem felizes de estarem nessa situação, mesmo querendo se abrirem um com o outro. O drama, desenvolvido muito por esse olhar do passado, consolida os problemas mais relevantes do presente. No fim, das contas, como dito anteriormente, é a memória o fundamental para buscar entender os pormenores de tudo que acontece. Se não fosse o passado tão confuso e profundo, não existiria tanta dor no momento atual.

Bolo Preto não perde em instante nenhum todo o trabalho social que está discutindo dentro das páginas. Tudo isso está ali presente (desde estarmos em contato com uma família negra escanteada em universo racista, até mesmo as dificuldades de ser apenas feliz por parte de Eleanor, sendo uma mulher na Jamaica dos anos 60), porém sempre em uma visão que esses debates fazem parte da vida recorrente dos protagonistas. O sofrimento deles – e por isso a ideia de memória – é quase passado de geração em geração. Como dizem os estudiosos austríacos Nicolas Abraham e Maria Torok, é a transgeracionalidade, ou seja, o sofrimento passado por gerações apenas por fazerem parte de uma mesma família.

Comentários

Cláudio Gabriel

É apaixonado por cinema, séries, música, quadrinhos e qualquer elemento da cultura pop que o faça feliz. Seu maior sonho é ver o Senta Aí sendo reconhecido... e acha que isso está mais próximo do que se espera.

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