Resenha – Contos de Horror da Mimi (Junji Ito)

Junji Ito. Amado por tantos e venerado muito mais, desde que começou a ser publicado com mais recorrêncio no Brasil. Esse movimento que começou em 2017, quando a DarkSide Books lançou Fragmentos do Horror. Porém, ganhou forma e importância a partir de 2020-2021, quando o autor aparecer de maneira frequente em Uzumaki, Tomie, Gyo, Frankenstein e mais. Fato é que ele virou uma figura elevada a um nível quase limítrofe por fãs de terror. Não que seja ruim, até porque é um artista único, porém parece que apenas ele tinha conseguido construir tanta coisa boa no gênero no Japão.

As histórias curtas publicadas recentemente ainda reforçaram isso, mas também começaram a causar certo desgosto em parte do público. Alguns já dizem estar saciados, esperando mais autores. Já outros não vêem a hora de mais e mais coisas. Assim, a editora que começou lançando Ito no país, resolve vir com mais uma coisa dele: Contos de Horror da Mimi. Como o título diz, são contos (literalmente), de horror (também literalmente) da Mimi (igualmente literal, se referindo a personagem que está presente em todas as narrativas). Caso ele já esteja te enchendo um pouco a paciência, recomendo essa HQ, que parece quase regenerar a figura de Ito de uma maneira extremamente curiosa.

Digo isso porque esse é o quadrinho mais único de Junji Ito já aterrissado em terras nacionais. Pode ser alvo de uma cerca chacota para quem se acostumou com o padrão de uma construção psicológica inerente a todos os dramas de seus personagens. Aqui, isso até existe – é inegável. Entretanto, vira apenas um fundo, algo quase irrelevante, já que a real intenção do autor é transformar suas histórias em imagens horríveis. Isso mesmo. O quadrinista sempre buscou uma linguagem atrelada a nona arte, pouco se utilizando dos elementos de outras formas de arte. Aqui é ao contrário. Vemos quase um filme de terror, em que o jump scare se notabiliza e a sensação de uma viagem surrealista aparece a cada novo acontecimento.

A abertura demonstra de forma perfeita isso. “A Coisa em Cima do Poste” tem apenas quatro páginas, suficientes para colocar o leitor em um estado um tanto quanto catatônico. Novamente, o artista nunca foi tão explícito nas explicações de suas tramas, em um certo “motivo” do terror acontecer. Porém, ele dava indícios. Nessa primeira trama, não há nenhuma. É perfeita para abrir o trabalho, colocando o público em uma curiosidade mórbida intrigante. Mas a sequência com “A Mulher ao Lado” é o jeito como a narrativa se solidifica. Além de impor a quem está lendo uma condição de confusão e suspense, também se denota por ser a que mais consegue trazer os elementos do cinema. Plano, contraplano, o susto, o inesperado. Tudo está aqui.

Esse início é um bom pontapé para uma obra cheia de grandes quadrinhos. “A Praia” e “O Círculo Carmesim” seguem nesse mesmo conceito de boas ideias colocadas em prática em uma ótica no qual apenas se busca respostas. É como se Ito colocasse o leitor em uma condição de eterno sujeito de um caos controlado. O medo aparece sempre como um elemento para trazer uma curiosidade. Contudo, ele vira a chave e transforma as histórias em apenas marionetes. Desse jeito, nunca poderemos saber nada e vamos ter que sempre lidar com as mesmas situações.

Claro que Contos de Horror da Mimi tem HQs não tão boas. “O Barulho na Relva” e a final “A Placa no Campo” parecem reciclar alguns conceitos já feitos antes. Contudo, ainda conseguem gerar uma relação única com tudo que o livro traz. Exímio contador de histórias para não dormir, Junji Ito é também um exímio gerador de sensações. Se até agora nenhuma de suas histórias havia me conquistado em um nível tão único, essas aqui parecem ter sido feitas justamente para isso. E que bom que existem autores capazes de tantas construções e criações, que nem sabemos mais exatamente onde eles se encaixam. Graças a deus por Junji Ito. Ou ao diabo, sei lá.

Comentários

Cláudio Gabriel

É apaixonado por cinema, séries, música, quadrinhos e qualquer elemento da cultura pop que o faça feliz. Seu maior sonho é ver o Senta Aí sendo reconhecido... e acha que isso está mais próximo do que se espera.

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