Crítica — Vision

Naomi Kawase volta para as florestas no mais recente de seus trabalhos diretoriais e, com ela, toda a atmosfera quase metafísica característica de um cinema na qual recorrentemente confronta homem e natureza. Vision trata da busca de uma cientista francesa (Juliette Binoche) por uma erva medicinal capaz de curar os males de humanidade que só aparece de 997 em 997 anos, sob condições bastante específicas. Um guarda florestal chamado Satoshi (Masatoshi Nagase) a ajuda em sua busca e, a partir desse encontro, seu passado e futuro se misturam em meio às austeras árvores japonesas.

Aqui, a autora desenvolve uma supressão de elementos humanos dentro das belas paisagens de Nara (província onde Kawase nascera) que gera imagens equilibradas entre desespero e torpor visual. Porém, se opondo à exemplos anteriores de seu cinema, dessa vez o natural divide espaço com o fantástico, potencializando o estranhamento humano ao ambiente. Tal estranhamento é incorporado em Jeanne, a cientista, na sua busca frequente pela milagrosa erva que dá nome ao filme. Os diálogos aqui, entre Binoche, vagantes e habitantes da floresta, acabam sendo agentes de destaque de signos sobrenaturais e vegetais no qual fazem Vision flutuar por alguns momentos.

O cuidado de Kawase ao escutar a linguagem da natureza e, ainda, ter um meticuloso trabalho de câmera ao explorar a convergência de seus atores com tal linguagem, acaba dando novos limites à efetividade de relações humanas dentro do ambiente. Os velhos amores, o passado não-descoberto, a motivação inabalável para completar a busca acabam por se confundir perante a acontecimentos simples e consequênciais do contato com a natureza. Por trás do enredo simplista e confuso para um espectador não acostumado com o tipo de cinema proposto aqui em toda a narrativa, existe uma declaração não só sobre o papel do homem em meio à imensidão natural, mas também sobre os rastros de tal imersão em particularidades intrinsecamente humanas.

Partes de diálogo acabam maculando o tratamento especial da diretora com suas árvores e seus piares de pássaros — e também são a razão das incabíveis comparações com Terrence Malick, no qual faz um cinema bem diferente (e mais contido) do que é demonstrado aqui —, mas estes não soam díspares à silenciosa intensidade da cineasta ao entregar essa espécie de compressão humana em forma natural. A ocasional falta de mão para certos pontos soa apaixonada, respeitando a cosmologia do próprio filme. Mesmo sem verdadeiramente atingir o seu primor, como em Deixe a Luz do Sol Entrar, Binoche tem sucesso ao explorar toda a vulnerabilidade humana da cientista em meio ao “desconhecido”.

Vision acaba por trazer os holofotes a marca registrada de Naomi Kawase, contudo, dessa vez, com a adição de elementos mitológicos dispostos a trazer essa sua paixão expansiva seus limites enquanto cinema arthouse “pronto-para-festivais”. Uma performance não-excepcional, porém efetiva, de Juliette Binoche e a entrega total ao fantástico tornam o filme uma entrada acessível e, definitivamente curiosa, para o cinema da autora.

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