Crítica – Penitência (Kanae Minato)

A psicologia é uma das questões mais fundamentais da humanidade, seja para o bem, seja para o mal. O trabalho psicológico em torno de uma pessoa pode ser diferencial para sua recuperação, assim como – em uma tortura, por exemplo – pode gerar traumas eternos. A autora japonesa Kanae Minato parece entender isso muito bem, pelo simples motivo de construir suas narrativas em torno disso. Em Confissões, seu livro anterior, isso é feito puxando para toda a questão do horror e de algo mais físico da morte. Aqui, em Penitência, estamos lidando com mentes atormentadas, totalmente desfalecidas, justamente por mortes.

Tudo isso é iniciado quinze anos antes dos verdadeiros acontecimentos da obra, quando uma menina de 10 anos é assassinada em uma cidade no interior do Japão. Quatro garotas estavam junto com essa garota e chegaram até a conversar com o suspeito de cometer o crime. Porém, nenhuma se recorda do rosto desse. A mãe da menina revela que, caso não consigam encontrar o culpado, todas elas sofrerão uma penitência. Com isso, Sae, Maki, Akiko e Yuka precisarão entender sobre seus traumas e esse peso do passado. Precisarão entender, justamente, como suas condições atuais foram influênciadas pelos traumas do tempos.

Nesse sentido, Minato sabe muito bem colocar a narrativa como uma intensa difusão. Ao trazer os diversos pontos de vista das meninas, parecemos nunca saber muito bem em que lugar estamos. Em que ponto e sobre qual palavra devemos acreditar. Além disso, suas colocações misturando diálogos, relatos, cartas e mais, retratam uma também difusão mental, diga para essas personagens totalmente confusas e complexas. Todas, já de cara, não sabem o porque de não rememorarem o rosto daquele homem. Ao mesmo tempo que não sabem o motivo de suas existências estarem tão intrínsecas e relacionáveis a esse morte. O trauma da infância perdura toda a vida.

A capa do livro.

A construção da sua história sempre é ligada ao fato primordial dessas mulheres se conhecerem. Inclusive, a primeira aparição da morte na trama, logo no capítulo incial, é cheia de um intenso mistério por detrás dela. Esse fato específico é, aliás, descascado ao longo de diversos pequenos momentos. Nada é entregue tão descaradamente, mas sim consolidado como uma forma de construção dessa mesma tensão. É algo inerente do feitio de Kanae, ao trazer esses elementos. Ela parece sempre querer colocar a discussão para dentro da cabeça do público e muito menos dentro dos fatos/desenvolvimentos na sua obra.

Para isso, a autora aposta muito em uma ideia de não haver muito um trabalho com os personagens. A situação específica é ponto chave do desenrolar de cada questão, seja pequena ou grande. Isso desloca muitas vezes quem lê para sentir falta de entender ccertas motivações ou até amarguras dos personagens que relatam. Todos parecem esfacelados de cara, contudo alguns soam ter motivos mais evidentes do que outros dentro dos acontecimentos. Dessa maneira, a japonesa deixa muito mais isso em segundo plano, dando um destaque evidente complexidade das situações de vida passadas por cada uma delas.

Esses pontos só transformam Penitência em um livro ainda mais complexo. Kanae Minato sabe consolidar bem na cabeça da audiência uma certa noção de verdade e mentira, a ponto da crença nos relatos ser quase mínima. Assim, podemos até estar lendo uma obra mentira, devido a nada ter uma caos de veracidade, ou quaisquer coisa do tipo. O maior prazer da leitura da narrativa está em tentar entender esse gigantesco quebra-cabeça fundamentado. O conceito de uma penitência, realmente enfrentado por todas, passa mais pela ideia disso nunca ter se afastado dessas figuras. Como dito anteriormente, não temos quase reações físicas aos atos ou acontecimentos. O que realmente estão observando é a degradação psicológica de diversas mulheres. E isso está junto a nós mesmos.

Comentários

Cláudio Gabriel

É apaixonado por cinema, séries, música, quadrinhos e qualquer elemento da cultura pop que o faça feliz. Seu maior sonho é ver o Senta Aí sendo reconhecido... e acha que isso está mais próximo do que se espera.

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