Coluna da Rafaela | Entrevista: Gerson Moreira, escritor cria de São João de Meriti lança Perseguidos na XIX Bienal do Livro no Rio

Considerado como um dos principais autores que revelam os talentos literários das periferias pela Bienal do Livro 2019, Gerson Moreira (41) lançará nessa sexta feira (6/09) seu livro Perseguidos que faz um recorte da Baixada por uma ótica antropologicamente cultural.  A história se passa em território já conhecido pelo escritor, no alto do morro Vila Ruth, narrando como os três amigos Matheus, Juliana e Patrick, na qual estavam curtindo um baile de favela, em paralelo a mais outros dois jovens, precisam decidir se aceitam ou não uma proposta feita pelo policial Charles depois de um terrível acontecimento.

Gerson, além de ser um exímio contador de narrativas, é rapper e arquiteto. Segundo ele, o sentimento de se participar de um evento de grande porte como esse é “um importante passo dado para influenciar mais pessoas com a mesma origem, como um desbravador que mostra que o mundo e bem maior do que vemos, imaginamos e o mais importante que podemos conquista-lo. É de mostrar para os moradores dos morros e favelas que podemos mais que as vidas nos impõem como metas ou objetivos e abrir uma porta para outros passarem”.

Confira nossa entrevista com ele:

A literatura sempre esteve presente na sua vida?

Gerson Moreira: Sempre gostei de ler desde pequeno, mas na adolescência devido aos estudos tive mais afinco. Li muitos autores, Jorge Amado, Jose Lins do Rego, José de Alencar e outros, muitos quadrinhos, outros livros de filosofia, arte, sociologia, história, mas sou fissurado em humanos, passo a maior parte do meu tempo estudando nosso comportamento. É uma coisa inata, involuntária, porém é muito mais para o deleite pessoal do que profissional.

E como foi que surgiu a ideia de escrever ‘Perseguidos’, nessa mistura do Gerson Moreira rapper e arquiteto?

GM: A ideia de escrever o livro Perseguidos veio exatamente por esse “vício” de estudar a sociedade, de buscar entender o motivo de alguns hábitos serem e de que forma acontecem, sua maneira quase que padrão. Claro que com suas exceções e anomalias, como eu um preto, morador da favela em São João de Meriti, filho de mãe viúva com seis filhos para alimentar, tendo de dormir no trabalho nas casas das ‘madames’ como falávamos. Por essa percepção peculiar da sociedade eu percebi esse vácuo essa lacuna nos morros e favelas de uma produção cultural e literária que desentoa um pouco do que é maciçamente produzido, mas que há um público consumidor desguarnecido, principalmente na Baixada Fluminense onde estamos fora do município do Rio, onde alguns trabalhos sociais e culturais têm mais visibilidade e incentivo fiscal.

Como foi que a arquitetura e a cultura se conectaram?

GM: Muito obrigado por essa pergunta sobre a arte e a arquitetura, pois muita gente não sabe o que faz um arquiteto, e terei essa oportunidade de explicar. A cultura e a arquitetura são irmãs siamesas digamos assim, grandes nomes da arte foram arquitetos. Michelangelo foi um deles, além de pintor, escultor e poeta. Leonardo da Vinci, foi outro, cientista, matemático, engenheiro, inventor, anatomista, pintor, escultor, botânico, poeta e músico. A lista é grande, pois quem entra na arquitetura e gosta de arte como eu, é um caminho sem volta. A criatividade se torna uma coisa louca, vão se abrindo portas dentro da nossa cabeça, e temos a necessidade de se expressar artisticamente, de produzir o lúdico, o belo, isso tudo borbulha dentro da cabeça.

Que fatos o livro retrata na realidade periférica da Baixada Fluminense?

GM: O livro Perseguidos é uma fotografia do momento da periferia, é ficcional com uma narrativa fidedigna ao antropológico a qual o enredo foi escrito, e sim têm fatos reais que me inspiraram a escrevê-lo, e não só fatos reais, mas vidente ou profético como preferirem, mas na verdade é apenas uma análise política e social. Como disse amo estudar a sociedade, então no livro o baile que está acontecendo no alto do morro da Vila Ruth é devido à liberdade do dono da Boca de fumo, o Marreco, ele só foi solto devido a um projeto de lei intitulado, ‘Justiça na lei’ a qual os políticos fizeram para acusar de abuso de autoridades juízes, o que na verdade aconteceria era apenas uma lacuna para caçar juízes que condenasse políticos, e isso foi o que aconteceu na quarta-feira (14) de agosto de 2019 a votação do Projeto de Lei 7.596/17, que define os crimes de abuso de autoridade no congresso. E o Perseguidos foi escrito em 2017. De certa forma prevendo o que aconteceu este na, pois foi uma forma similar a essa que o marreco se beneficiou e foi solto.

Em entrevista ao ‘Baixada Viva’, em 2017, você conta que começou a escrever o livro no início de 2016 e já estava completo em menos de quatro meses. Nessa entrevista relatou também a dificuldade que foi para encontrar uma editora que acreditasse no seu trabalho. Como escritor há bastante tempo, houve alguma mudança nesse cenário de se precisar ter “um nome” para que possam reconhecer o seu material? Você acha que essa é uma das principais barreiras para que mais escritores da Baixada Fluminense ainda não tenham conquistado seu espaço na literatura marginal?

GM: A dificuldade encontrada continua a mesma pelo fator que a fazia existir a dois anos atrás, é a mesma desde o Brasil colônia e vai demorar muito para mudar. Para entender isso temos de ter em mente a formação do Brasil que foi longos anos explorado,  com as exceções de algumas regiões no norte e sul que tiveram área com colônia de povoamento, isso somado a escravidão gerou o que somos nós, os portugueses só queriam explorar e irem embora para Portugal com poder financeiro para comprar títulos e ser alguém na alta sociedade, os negros fugirem e voltarem para África ou seja ninguém tinha amor ao solo, então não foi gerado uma relação de ajuda mutua para benefício do local, pois o único objetivo de todos era ir embora daqui. Há mais de 500 anos até hoje se tem esse reflexo na sociedade. A falta de espirito empreendedor é resultado disso, desse sentimento, uma competição comercial exploratória, não rotativa, a possibilidade de ajudar uma pessoa comercialmente é quase uma coisa ofensiva aos empreendedores brasileiros principalmente os micros e os médios. O problema encontrado não o é só pelo fato de eu esta fora do eixo produtivo, e de não conhecer quem está no comando na cadeia produtiva cultural, é a miopia empreendedora dos empresários brasileiros, aqui as pessoas querem fazer negócios com quem são amigos e conhecidos.

Com o advento a internet e das redes sociais, a democratização de informações e possibilidade de visibilidade fez com que pessoas pudessem mostrar seu dom e alcançar públicos. Hoje surgem outras linhas de pensamento devido à internet, a produção cultural no Brasil que era a variedade do mesmo, passou a ser uma variedade de pensamentos e visões diferentes.

Quais são as suas expectativas para esse lançamento em 2019?

GM: Há muito que fazer, eu tenho trabalhado esses dois últimos anos herculeamente para divulgar o meu livro, o que eu percebi é que ele não foi mais lido não por ser uma obra ruim, mas por falta de incentivo e de visibilidade das prefeituras, empresas, comerciantes, nada incentiva. Tenho investido de maneira significativa para conquistar novos leitores, vou às escolas e faço palestras e doou livros que comprei sem um real de ninguém para essa distribuição.

Como morador periférico e apaixonado por histórias, conhecendo a realidade dos jovens que compõem as minorias, acha que o evento Bienal do Livro democratiza e incentiva o acesso ao saber?

GM: Falar sobre a democratização do saber é um assunto muito complexo, o ensino no Brasil desde o Império sempre foi elitizado, são centenas de anos de exclusão nesse caso da maioria favelados e pretos. Então para obter-se o máximo do propósito objetivado pelo evento e o seu público alvo, um centro de eventos como Riocentro é uma ótima opção, conhecimento e o saber é uma conquista pessoal, e assim como outras conquistas temos de ir busca-la. O fato da Bienal ser na Barra da Tijuca é até uma coisa boa, pois tem crianças de escolas que nunca saíram de seus bairros e terão a oportunidade de conhecer um outro local. São momentos como esse que marcam a vida, e o saber também vem com as nossa vivencias. Eu participo de eventos literários nas periferias, e o público que vão nessas feiras dentro da sua comunidade são os mesmos que se deslocam para a bienal. Por outro lado, tem jovens que saem de favelas muito longe para o baile no Chapadão e na Penha, ou onde estiver ‘fervendo’ então a dificuldade não é o local, mas o interesse, e o mesmo foi covardemente furtado com a elitização do ensino e do saber.

Nas favelas ler ou ser gostar de buscar o saber não é um status, nenhum adolescente se torna o ‘pegador’ da favela por gostar de ler. Entretanto, ele se torna um sonho de ‘envolvimento’ de muitas meninas se estiver com um fuzil na mão.

“Tem gente que quer escrever sobre Londres. Eu não conheço Londres, conheço São João de Meriti, Pavuna, Belford Roxo, essa é a minha área. A leitura foi um baluarte para mim, conseguiu me desvincular da cultura do tráfico. Com o livro, passei a ver o mundo, raciocinar de forma diferente”, foi algo que você disse em entrevista ao ‘Jornal O Dia’. Para você porque é essencial que a cultura esteja presente na vida do jovem periférico, principalmente as que dialogam com o seu cotidiano?

GM: Eu ainda vou arrumar muito tumulto devido o assunto abordado nessa pergunta (risos), pois para mim a cultura não é essencial, mas uma necessidade. O ser humano não vive sem consumir cultura, necessitamos dela como de comida e água, para mim a cultura tem de ser é democratizada, não só o seu acesso, mas também a sua produção. Tem de haver incentivo! Não só fiscal, mas do artista, a arte é a expressão de cada pessoa, sua visão do mundo a sua subjetividade, é isso que torna arte democrática e sua produção plural. O homem tem uma fixação em padronizar o mundo pelo seu espelho, nada mais pobre e pequeno que isso, quanto mais livre é a sociedade mais rica é a sua produção cultural, quando há um totalitarismo isso some e afeta toda produção cultural, pois não há mais a alma o eu lírico do artista, mas a visão e padronização do líder, as ideologias e as padronizações são o que há de pior.

A sessão de autógrafos do autor

6/09 – Pavilhão 4 – Stand 46 (Editora Lura)

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