Upgrade: Até que ponto controlamos nossos pensamentos?

Nos últimos anos, o cinema de ficção científica pautou-se em, principalmente, alguma ideia muito adolescentes ou altamente filosófica. É claro que há um certo objetivo de distanciamento com o que era praticado muito forte nos anos 80 e 90, onde a ação era geralmente o pano central para uma trama futurista/distópica se desenrolar no fundo. Entretanto, temos aqui uma peça rara dentro desse gênero, na qual a ação serve como ponto fundamental da narrativa, sendo a sua linha central ao invés de mera distração narrativa. Imagine que Robocop, 2001 – Um Odisseia no Espaço e Vingador do Futuro tiveram algum tipo de encontro maluco, mas extremamente divertido. Daí surgiu Upgrade.

A história aqui é extremamente simples e bem sagaz ao apresentar essa simplicidade para o telespectador. Gray é um homem que possui aversão à tecnologia, buscando viver sempre na questão do manual, do humano. Certo dia, ao realizar uma operação comercial junto de sua esposa, acaba sendo atacado por um grupo de ladrões, ficando paraplégico. Sua única opção, agora, para conseguir buscar a vingança que tanto quer é exatamente aquilo que ele tanto abomina.

É inegável o talento imaginativo do diretor e roteirista Leigh Whannell. Apesar de não ter tido muito espaço anteriormente para mostrar o que poderia fazer comandando uma trama – já que seu primeiro trabalho foi em uma franquia, no longa Sobrenatural: A Origem -, ele parece ter uma confiança de alguém que já realiza uma produção cinematográfica longeva. Não é a toa que suas influências visuais e estéticas são claramente de Paul Verhoven, como foi citado acima. Whannell consegue gerar uma realidade extremamente próxima da atual, junto com a parte de efeitos especiais, mas com os aparatos tecnológicos cada vez mais intrínsecos ao dia a dia. É extremamente perspicaz como ele começa a obra dando atenção a esse lado “vintage” do protagonista, que tem afeto e carinho pelo lado material, ao mostrá-lo consertando um carro. Mais do que isso, esse personagem também é político, ao ponto de falar sobre a perda de empregos gerada pela robotização da vida. O mais incrível é como ele consegue, aos poucos, levar a algo eminente para Gray, aonde não há escapatória para a utilização dessa modernização, colocando uma pulga na cabeça do público: “por que somos obrigados a entrar sempre na moda tecnológica?”.

Como foi dito acima, as cenas de ação são uma parte forte do projeto e acaba ocorrendo uma diferenciação para o usual desse tipo de cinema, onde o objetivo é sempre sentir o impacto daqueles golpes ou tiros – algo muito bem exemplificado recentemente em Operação Invasão e John Wick. Aqui, o impacto que sentimos como audiência é estar na pele do peão daquela narrativa. Por isso o cineasta prefere que a câmera se estilize a ponto de seguir os gestos de seus desvios e também dos repentinos ataques, que acabam gerando alguns sustos (não jump-scares) do motivo de esse “herói” estar realizando isso, o que impressiona até o próprio personagem, algo que gera um sobressalto ainda maior pela atuação de Logan Marshall-Green. Aliás, são esses momentos reservados para um certo toque de horror, com um gore que, mesmo que bem tímido, pode ainda chocar alguns. Todavia, esses momentos também mostram uma abertura para outros gêneros cinematográficos, como a comédia e o drama, que são explorados, mas se encaixando de maneira orgânica dentro da trama, fazendo com que nenhum desses pontos sejam extrapolados.

Falando em estilização, é impossível não comentar a pulsante fotografia estourada de Stefan Duscio. Ele, que parece ter pego inspiração dessa estética neon de Newton Thomas Sigel em Drive, joga as cores azul e verde explodindo na tela, gerando a sensação de frieza e amargura presente dentro daquele universo, quase como se existisse uma solidão iminente em um mundo atual. O vermelho também tem o seu destaque em muitas cenas, porém esse para grafitizar a violência urgente daqueles acontecimentos.

Tentando buscar algumas apelações mais clichês, com flashbacks, o final do longa gera uma certa decadência dentro daquela pretensão inicial de exploração de mundo. Apesar disso, deve-se honrar os méritos em gerar uma virada dentro do roteiro bem inesperada, algo que acaba potencializando toda a catarse emocional presente no personagem principal nessa última cena. A última sequência geram um senso de falta de escapatória, como se o domínio da tecnologia conseguisse se proliferar de qualquer forma dentro desse universo, todavia ainda há sempre um resto de humanidade presente em cada um. E é exatamente isso que acaba sendo verbalizado em uma das cenas iniciais, aonde há um debate sobre até onde o ser humano é inutilizável.

A obra é um interessante estudo de gênero dentro de um estilo de produção que pareceu esquecida por um bom tempo dentro do cinema estadunidense, mas que tem retornado. O estilo gráfico e imersivo geram uma experiência extremamente intrigante e que satisfaz em seu desfecho pessimista, combinando com tudo que vinha sendo apresentado anteriormente. Se hoje em dia falamos que os filmes de terror vivem um novo período, é seguro dizer que o gênero de ação é o próximo a receber esta alcunha – tendo Upgrade como um exemplo perfeito disso.

4.0
  • Upgrade
4

Resumo

É um novo exemplar para o gênero de ação. A ficção-científica estava precisando disso.

Comentários

Cláudio Gabriel

É apaixonado por cinema, séries, música, quadrinhos e qualquer elemento da cultura pop que o faça feliz. Seu maior sonho é ver o Senta Aí sendo reconhecido... e acha que isso está mais próximo do que se espera.

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