Crítica – Ninguém Tá Olhando (1ª temporada)
Um anjo nasce e recebe instruções de como realizar seu trabalho. Tudo bem, anjo não, angelus, ou algo próximo a isso, como são reconhecidos. Esse ser se chama Uli (Victor Lamoglia), o primeiro de sua espécie nascido depois de muito anos. O problema é que, diferente dos outros anjos da guarda, Uli é muito mais questionador. Ele pergunta por que os relatórios diários são feitos se simplesmente servem para serem arquivados. Tenta entender os motivos pelo qual a porta da sala do chefe nunca é aberta. Além disso, busca compreender como os humanos são tão intrigantes, enquanto os anjos consegue ser tão “chatos”, seguidores das regras.
O objetivo desses seres é bem fácil e tranquilo de entender: servem para proteger os humanos de situações cotidianas de perigo. Claramente não conseguem ajudar em uma morte provável, como câncer ou algo do tipo, porém estão mais conectados a situações simples da vida comum – esquecer o chuveiro ou o fogo ligado, evitar tropeçar em um buraco, entre outros. É uma existência extremamente depende da vida dos homens e mulheres terrenos, com suas atitudes consideradas ridículas até, como sexo, paixão e mais. Os angelus são “doutrinados” desde sempre a não sentirem emoções, viverem em uma passividade com apenas o objetivo de proteção.
A maior questão de todas é que os angelus possuem 4 regras bem claras. Duas delas são as mais sentidas por Uli: a de não poder ter relação quaisquer com a espécie humana e não entrar na sala do chefe. Sua curiosidade é instigada quando ele entra nessa sala especial e acaba por, simplesmente, descobrir que esse ser – que julgamos podendo ser Deus – é um hamster andando em uma roda. Suas questões são quase ultrajantes nesse mundo divino, em que atitudes como as dele são passíveis de punição. O problema é que essa punição não vem. Ele acaba, assim, contagiando Greta (Júlia Rabello) e Chun (Danilo de Moura) a se libertarem das amarras padrões desse meio social.
Daniel Rezende, responsável pela direção de todos os episódios e que também esteve no comando de Bingo: O Rei das Manhãs e Turma da Mônica – Laços, sabe como criar uma relação bem irônica das circunstâncias. A aparição da personagem Miriam (Kéfera) é quase um contraponto de tudo, visto que possui diversos ideais e pensamentos menos comuns entre os humanos (ao menos pela visão do protagonista). Ele, assim, acaba por adquirir uma paixão por ela. Rezende acaba por ir cortando aos poucos essa ironia para tentar trazer, nessas relações carnais, algo mais dramático e sentimental, como no relacionamento anterior de Miriam e na relação de Chun com uma mulher que descobre ter pouco tempo de vida.
Apesar de todo esse desenvolvimento no meio da trama, o lado da comédia acaba prevalecendo. Diversas pequenas situações conseguem atrair o público simplesmente pela graça de algumas piadas muito bem elaboradas, além da brincadeira dos cortes na edição com as aparições dos anjos para os humanos. Em um primeiro instante, agridem eles por um receio de uma invasão e sem saber quem poderia ser. Posteriormente, chegam até a pedir autógrafos, além de alguma lembrança para a família na qual gosta desses seres. Toda essa correlação temporal funciona a fortalecer a forma como a obra irá se comportar.
A primeira temporada de Ninguém Tá Olhando consegue atrair muito mais pelo seu fator de diversão. Além disso, com os curtos episódios, traz uma expectativa constante, gerando uma nova produção brasileira da Netflix de impacto. Em termos de proposta estética, até assemelha-se bastante ao trabalho feito em Samatha!, especialmente pela força cômica em cada uma das cenas. Ao final desse primeiro ano, há ainda uma chave perfeita para conectar a uma continuidade. Daniel Rezende parece muito bem saber a forma como o público irá conseguir conectar com essas figuras. Por isso, em um uso certeiro, busca uma diversão sem limites na série.