Crítica – O Problema de Nascer

Em uma das primeiras cenas de O Problema de Nascer vemos Elli (Lena Watson) agindo como uma criança qualquer. Ela brinca próxima a beira da piscina, além de correr pela casa e fazer perguntas. No entanto, a diferença é que ela não é uma criança normal, mas sim androide. Além disso, Elli acha estranho certos comportamentos de conotação sexual que o homem a quem ela chama de pai tem. Dentro disso, embarcamos em uma jornada pelas memórias e não-memórias da personagem, que parece sempre estar atormentada na vida. Ela, que busca um fim, parece nem encontrar o meio.

É nesse sentido que a direção de Sandra Wollner apresenta contrantes comportamentais do “pai” e Elli. Ela dá destaque para algumas sequências que talvez não deveriam ser mostradas, como quando ele troca seu aparato tecnológico na região da vagina. O filme perpassa por um caminho de debate aquele tema pisando em terreno minado, podendo, a qualquer momento, apresentar dificuldades de tranpassar por isso. Entretanto, Wollner traz em sua visão a crítica, ao nos depararmos com uma protagonista indefesa, sem ter muito o que fazer, ou até entender aquelas circunstâncias. O fato de suas lembranças serem também apenas criadas dão margens para interpretações diversas, especialmente no caminho dessa sexualização infantil – mesmo que a mesma não perceba qualquer comportamento.

A narrativa busca sempre brincar com a ideia de uma aproximação daquela realidade, ao mesmo tempo que um distanciamento. Devido ao fato de ser uma androide, Elli não tem uma perspectiva inteiramente emotiva da situação, a transformando em um ser, muitas vezes, apático. É até curioso o fato de explorar isso sob esse viés, especialmente pelo fato de muitas crianças abusadas sexualmente terem esse lado de distanciamento para lidar com a situação. A todo instante é como se nunca, de verdade, fosse possível compreender quem são de fato aquelas pessoas naquelas circunstâncias.

A trama muda um pouco de figura quando saímos dessa realidade dial para adentrar nessa espécie de jogo de memória. Nesse instante, rememoramos filmes como Ex-Machina e Blade Runner, ao explorar esse consciente/subconsciente que até os seres sem emoção possuem. A personagem sai para uma floresta atrás de uma voz, quase em busca de si mesma. Porém, devido a essa correlação, acaba por se perder dessa realidade que está acostumada. Há um certo problema nessa segunda parte do longa em retratar um lado mais violento, quase tentando explorar camadas de ficção-científica para a história. O mais interessante ali é, verdadeiramente, um entendimento sobre quem seria essa jovem e todo seu sofrimento sem ser sentido.

Em uma discussão parecida com a de Cuties sobre a questão moral e da pedofilia, O Problema de Nascer busca o peso sobre uma realidade onipresente na sociedade. A ideia de uma androide vivenciar a situação, é como se ela fosse totalmente indefesa sobre aquilo, assim como diversas crianças de verdade. Mesmo com escolhas que levam para caminhos menos complexos e mais diretos, Sandra Wollner entende a forma de debater o tema através das imagens. Dessa maneira, ao mesmo tempo que estamos tão próximos de vivenciar toda a situação com Elli, estamos também imediatamente distantes de compreender, de verdade, essa mente.

Comentários

Cláudio Gabriel

É apaixonado por cinema, séries, música, quadrinhos e qualquer elemento da cultura pop que o faça feliz. Seu maior sonho é ver o Senta Aí sendo reconhecido... e acha que isso está mais próximo do que se espera.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *