Crítica – A Verdadeira História de Ned Kelly

Por João Oliveira

Famoso por nomear um hambúrguer da franquia Outback, Ned Kelly não é uma figura assentada no imaginário brasileiro. No entanto, para a Austrália, Kelly é um dos personagens históricos do país. Contemporâneo ao período colonial australiano, Ned ficou conhecido por sua rebeldia e anarquismo frente à coroa inglesa. Filho de irlandeses, Kelly e seus comparsas saquearam bancos, roubaram e assassinaram policiais para se vingar da brutalidade sofrida por seus descendentes. Brutalidade, esta, que é fruto da colonização, caracterizada pelo envio de prisioneiros do Império Britânico para o país, ou seja, o simples ato de uma família irlandesa estar em território australiano já é fruto desta crueldade estatal.

Famoso por dirigir Macbeth (2015) e Assassin’s Creed (2016), o diretor australiano Justin Kurzel retorna às telonas para recontar a mitológica vida deste famoso fora da lei em A Verdadeira História de Ned Kelly.

Embora o filme se baseie em figuras históricas, o letreiro que introduz o longa metragem deixa claro que Kurzel não possui o menor compromisso com a verdade. O único comprometimento da obra é com seu protagonista, Ned Kelly. Para isso, o diretor utiliza-se da subjetividade para compor a narrativa. Centrado neste personagem histórico, acompanhamos ele escrever uma última carta para seu filho, relembrando todos seus feitos. Por meio de flashbacks, adentramos as memórias de guerra dele e seus conflitos familiares, psicológicos e pessoais. Kurzel humaniza esta figura, cuja história é tão sangrenta e bárbara, facilitando a criação de empatia com este personagem. Além disso, por se tratar de um relato de pai para filho, o diretor corrobora com suas temáticas centrais: família e legado.

O cineasta não se interessa pela história de subversão da gangue Kelly, já que ao longo do filme pouco vemos os atos criminosos desses foras da lei. Não a toa que o menor capítulo do filme seja o terceiro e último. O diretor está mais interessado em investigar sua relação familiar, em especial a relação dele com sua mãe. Para isso, Kurzel gasta um tempo demasiado na infância deste personagem. O que para um lado é bom, para compreendermos como ele se tornou esta figura controversa, por outro enfraquece a produção, que opta por correr com as demais fases de sua vida. Este desequilíbrio de sua montagem cinematográfica consegue humanizar o personagem, mas sofre para evidenciar o porquê de sua importância.

Com relação ao legado, o diretor opta por artifícios minimamente peculiares. Embora seu roteiro não se interesse o bastante no caráter historiográfico de seu protagonista, o diretor utiliza-se de técnicas modernas de filmagem para impor um anacronismo ao épico histórico. Sobram filmagens de drones, planos ultra definidos e límpidos de câmeras digitais de alta definição, luzes estroboscópicas não diegéticas. Há até mesmo containers neste século XIX do diretor. Este anacronismo pode ser justificado por uma tentativa de imprimir atemporalidade na trajetória de Kelly, porém a falta de interesse narrativo por esta história, no fim das contas, torna este anacronismo apenas uma desculpa para expor um virtuosismo técnico do diretor. Como em Macbeth, Justin Kurzel tem uma boa história em suas mãos, mas opta por perder tempo com planos extremamente elaborados sem muito o que dizer.

A Verdadeira História de Ned Kelly, por isso, se torna um drama familiar qualquer. As escolhas estéticas da direção se sobressaem à sua narrativa, enfraquecendo sua unidade estilística e, portanto, seu filme. Ao fim do longa-metragem, o espectador acaba saindo sabendo praticamente o mesmo que já conhecia desta figura histórica e as suas duas horas de metragem ficam parecendo apenas um exercício individualista de um diretor que necessita expor suas qualidades técnicas em vez de narrar uma história. Há momentos isolados que podem chamar atenção, mas são raríssimos.

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