Crítica – Los Lobos

Há diversos pontos de conexão entre Los Lobos, dirigido por Samuel Kishi, e Projeto Flórida, filme de Sean Baker lançado em 2017. Nos dois, vemos o mundo pelo ponto de vista infantil, e a imagem/ideia da Disney. No filme de Baker, o icônico parque é algo físico, marcando o horizonte, dando o tom da crítica a desigualdade social e ao final. É dentro dele também uma espécie de fuga da dura realidade daquelas crianças. Já Kishi usa a ideia da Disney como…esperança?

É difícil definir muito bem as intenções do diretor no seu longa. Acompanhamos uma família de imigrantes mexicanos, formado por duas crianças, Max (Maximiliano Najar Marques) e Leo (Leonardo Najar Marques), de 8 e 5 anos, respectivamente, e sua mãe, Lucia (Martha Reyes), que cruzaram a fronteira e agora se encontram na cidade de Albuquerque com a roupa do corpo, algumas malas e uma lata de Pringles que funciona como cofre. A busca por um lar os leva a um pequeno e degradado apartamento, que tem como senhorios um idoso casal asiático. Logo, Lúcia arranja um emprego, o que a traz a necessidade faz com que ela tenha que deixar seus filhos sozinhos no apartamento, munidos de um gravador, para tentar aprender inglês e onde a mãe gravou uma série de regras de convivência, e a imaginação.

Assim, dentro de um apartamento sujo e com poucos móveis, os irmãos passam seus dias, impossibilitados de saírem por ordem da mãe. A monotonia do cenário só é quebrada pelas sequência animadas, em que os lobos desenhados pelos dois ganham uma breve vida. Esse elemento traz um pouco de cor aquele mundo cinzento, enquanto sonham com a promessa da mãe de irem à Disney.

Há todo um ar “poético” na fotografia de Los Lobos, com uma preocupação muito específica em mostrar os raios de sol iluminando o rosto dos personagens e longos planos mostrando os cenários urbanos, em decadência dos ambientes onde os personagens transitam. Dentro do apartamento, uma câmera mais estática dá o tom da monotonia dos dias, enquanto fora dele há momentos de camêra na mão e composições mais arrojadas. Um desses momentos é no plano em que Lucia passa por uma gigantesca bandeira americana dentro de um dos armazéns onde ela trabalha, tornando-a uma figura minúscula diante desse símbolo, mesmo que ela seja parte vital do funcionamento daquele país, como as enormes estantes de material estocado, à frente da bandeira, nos lembra.

Mas esse é o mais próximo que o filme chega de querer dizer algo sobre a situação que retrata. O longa parece muito preocupado em mostrar a situação degradante daquelas pessoas, mas de modo puramente material: o símbolo maior disso é justamente o apartamento paupérrimo. Os diversos trabalhos de Lúcia, pouco vistos, são tratados com passividade, ou, no máximo, um mal necessário. No mais, a obra se deleita nas atividades das duas crianças, porém diante da imposição da mãe de não saírem, não há muito a ser mostrado. Se em Projeto Flórida as atividades infantis se apoiavam na ingenuidade para retratar um mundo duro, e até mesmo gerando drama por meio da inocência das crianças, em Los Lobos as brincadeiras existem em vácuo, nem fantásticas o bastante para representar uma espécie de fuga da realidade são.

Ao final de tudo, Kishi decide introduzir um elemento comunitário inexistente até então, e todos os obstáculos encarados pelo trio são superados subitamente pelo poder da amizade, com direito até mesmo a uma viagem a um parque. Não a Disney, mas um parque de diversões qualquer, que simplesmente basta para diversão. A bandeira que antes era gigante e oprimia, agora aparece pequena, à luz do sol, convidativa, representada por rostos diversos que olham pra câmera. De onde veio essa mudança, jamais saberei.

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