O Favorito mostra que Hugh Jackman pode ser bem mais que apenas o Wolverine

Em um dos momentos inciais de O Favorito, é possível se deparar com uma das clássicas situações dos roteiros do aclamado Aaron Sorkin: diálogos extensos, interpelações de acontecimentos e uma câmera nunca parada. Se a intenção do diretor Jason Reitman era de trazer um estilo pouco realizado por ele, é difícil dizer. Mas é, de fato, muito ambicioso trabalhar uma parte tão ambígua e controversa da história americana quanto as três semanas que marcaram o auge e a queda que um escândalo sexual trouxeram para a carreira do candidato a presidência dos Estados Unidos, Gary Hart.

Em nenhum momento, cineasta tenta realizar um verdadeiro julgamento de valor em cima da figura de Hart e, principalmente, da sua atacada esposa, Lee (Vera Farmiga). Ao nunca colocar os dois nos centros das atenções em seus quadros, mesmo os mesmos tendo um grande enfoque midiático, ele coloca a observação para com as situações aos mais diversos olhares no decorrer da trama. Sejam eles de assessores, jornalistas ou colaboradores da campanha, há a formação de uma ambivalência nas sequências, deixando esse julgamento moral com destino aos telespectadores. Reitman deixa, inclusive, o caso em si como uma interrogação. Ainda que existam fotos explícitas de beijos e afetos, o caminho abordado é sempre cinzento.

Jason utiliza de maneira expressiva seu personagem principal, explorando ele de diversas maneiras, que vão de câmeras televisivas a reportagens em papel ou por uma câmera subjetiva. É como se construísse realmente uma personalidade em cima de tudo, gerando diversas características únicas, sendo todas desmoronadas quando o tumulto é instalado. Mesmo assim, as lentes nunca deixam de gerar a imponência política de Hart, como no palanque na qual ele discute com o editor da publicação reveladora do caso. Sempre deixando planos abertos, tudo ali transmite sua força para ganhar a eleição, sendo contrastado na intimidade.

Hugh Jackman se sobressai em uma interpretação de uma figura complexa. Os diversos dilemas e suas relações com os veículos de imprensa parecem próximos inicialmente, se afastando ao desenrolar dos acontecimentos. Com todas essa carga dramática, Jackman consegue trazer tudo para um lado mais interno, fazendo um personagem sempre frio e direto em suas respostas quando a traição é revelada (ainda com um aumento pelo desenho de luz frio ao andar das semanas). Completando tudo, sua visão mais liberal de mundo e o lado do público/privado parecem sempre sobressair na própria cabeça desse ser, levando a quem assiste se questionar da real importância de um caso do gênero.

Ainda há espaço para um debate intrigante do papel dos meios de comunicação em histórias parecidas. Deveria realmente haver uma investigação? Até que ponto perguntas mais espinhosas são válidas e a que momentos poderiam ser feitas? Qual o verdadeiro papel do jornalismo? Diversos desses questionamentos se mostram presentes nas partes de reuniões do jornal The Washington Post, observadas pelo olhar do personagem AJ Parker (Mamoudou Athie). É estabelecida até uma relação bem próxima ao realizado em Todos os Homens do Presidente. Apesar disso, há aqui um problema de tom apresentado pela trama, sempre se perdendo do real foco para onde a narrativa quer realmente ir.

A direção possui um problema de consistência bem claro, de maneira dividida em metade do segundo ato. Se no primeiro momento ocorre uma imersão absurda com os diferentes barulhos para criar a tensão nas cenas – como palmas, sintetizadores, guitarras e mais -, isso é esquecido no momento em que esse clima realmente se estabelece. O tom narrativo também é difuso, passando de uma dramédia em um pouco mais de terço para uma abrupta situação trágica e sem levar em conta o humor entrelaçado aos fatos anteriormente. Por fim, a utilização dos coadjuvantes é totalmente desbalanceada, sendo esses um olhar importante para a construção midiática do político e jogadas à escanteio na segunda metade, tendo alguns até sido esquecidos, como é caso de Bill Dixon (J.K. Simmons).

O Favorito constrói uma narrativa praticamente perfeita nos seus instantes inciais (principalmente em sua primeira hora), perdendo seu teor na sua metade principal e fechando em uma conclusão bem pontuada. Pensando em um desenvolvimento sobre a história de um personagem, parece muito frágil nisso tudo, porém o mais importante para o cineasta é entender quem era essa figura aos olhos da população e da construção da mídia como um quarto poder. E, dentro disso, Reitman mostra muito mais do que realmente o público americano quer olhar.

Comentários

Cláudio Gabriel

É apaixonado por cinema, séries, música, quadrinhos e qualquer elemento da cultura pop que o faça feliz. Seu maior sonho é ver o Senta Aí sendo reconhecido... e acha que isso está mais próximo do que se espera.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *