A desconstrução do romance em Guerra Fria

Quando se pensa no título Guerra Fria é fácil se lembrar do conflito geopolítico entre a União Soviética e os Estados Unidos durante grande parte do século XX. Bom, muito mais do se utilizar do período como pano de fundo histórico, o filme também retrata outro tipo de conflito frio: um relacionamento. Se em um romance convencional existem brigas e desentendimentos, no romance de idas e vindas é como se nada realmente estivesse acontecendo, mesmo que haja uma fagulha de amor mantida. E é a partir dessa paixão nunca concreta que Guerra Fria irá explorar um conflito não-armado no amor entre uma jovem cantora e um músico mais velho ao longo de 15 anos.

Pawel Pawlikovski parece ainda mais consciente do que quer retratar, bem mais do que o que foi feito em 2014, com Ida. Dentro dessa consciência temática, o cineasta abusa de recursos para transmitir ainda mais sentimentos divergentes para uma história totalmente regada de conflitos. Em primeiro momento, o maior enfoque fica para a fotografia do mesmo em preto e branco (salientando uma apatia atenuante) e a utilização da tela quadrada, em 4:3 (em busca do intimismo e da proximidade do público com os personagens). Todavia, sua grande cartada para a narrativa é a utilização frequente do efeito kuleshov para causar diversas ironias visuais, como a apática reação da platéia nas apresentações de dança totalmente estrondosas.

Tematicamente, repetindo o dito acima, a obra retrata de um romance às avessas. Apesar da proximidade no começo do casal Zula (Joanna Kulig) e Wiktor (Tomansz Kot), os dois acabam sempre possuindo decepções uns com os outros e desencontros pela vida. Esse fato é realçado na montagem de passagem dos anos, sempre trazendo novidades dentro da vida de cada um – podendo essas serem até românticas. Essa passagem de tempo gera, do mesmo modo, um ritmo sempre instigante para a audiência de querer entender mais sobre o trágico e esquisito relacionamento. Apesar de tudo isso, é relevante para Pawlikovski trazer um certo alívio no grande “clímax” (se é que pode ser dito assim). Ele tenta enaltecer a eminente junção na qual os dois teriam em determinado momento, quase como se fossem paixão da vida um do outro.

A música acaba por ser um elemento primordial no desenvolvimento da trama. Muito mais do que apenas a própria profissão dos protagonistas, ela é um instrumento relacional com política e busca pelo sucesso. No primeiro caso, para Wiktor as músicas são sempre uma faixa para a liberdade, quase seu lema principal devida. Há uma vontade em contar mais sobre isso dentro das diversas linhas de texto retratando o período da própria guerra fria e da ditadura soviética, reprimindo diversos artistas. Com esse ideal emancipatório, se torna óbvio a contínua busca por uma fuga da região, algo que o leva a decepções pessoais. Já no segundo caso, é o fator primordial para a vida de Zula. Após ser descoberta e perceber o seu talento pessoal, ela segue o objetivo de um sucesso mundial, totalmente arrebatador. Entretanto, a conexão com sua terra natal é uma virtude para a maneira de cantar, acarretando nesse problema da ideia central de “viver de música”, gerando até uma ironia do roteiro devido às cenas primárias dentro do casarão.

A rasa identificação da discussão política citada acaba por ser definitiva para algumas atitudes dos personagens, mas sempre de uma forma muito pouco desenvolvida. É como se realmente não importasse o pano de fundo conflituoso em volta e sim as vivências reais para a geração do próprio conflito do longa em si. Esse medo frequente ao redor transforma a ideia da existência em si como uma resistência política, sempre caçando a famigerada independência.

Guerra Fria é o retrato perfeito de um período na qual o amor parecia ser sempre um pano de fundo para as missões pessoais. Muito mais do que isso, ele transporta esse senso de afastamento para a atualidade, como se tivéssemos o tempo inteiro nos afastando uns dos outros, desde essa época. A batalha aqui não é apenas entre nações, porém entre os indivíduos por si só, procurando uma felicidade na vida quase impossível de ser alcançada. É um conflito pessoal com o romance existente em nós.

Comentários

Cláudio Gabriel

É apaixonado por cinema, séries, música, quadrinhos e qualquer elemento da cultura pop que o faça feliz. Seu maior sonho é ver o Senta Aí sendo reconhecido... e acha que isso está mais próximo do que se espera.

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