A fuga do cotidiano em ANIMA
“Me mostre o dinheiro, festeje como um zumbi rico”. A abertura do álbum ANIMA, mais novo trabalho do vocalista do Radiohead, Thom Yorke, dá os primeiros tons do que virá pela frente. Nesse trabalho, Yorke foge daquele seu último: a trilha sonora do filme Suspiria. Aqui, no entanto, a sua realização audiovisual é fundamental para compor a complenitude. O artista realizou um curta musical experimental em conjunto com Paul Thomas Anderson, disponível na Netflix. Ali, ele põe a exposição dos conceitos abordados já no álbum. A sinergia dos dois é, para o vocalista, o grande triunfo de tudo exibido em ANIMA.
Porém, o que seria tudo? E o que realmente se trata esse CD? Thom vai abordar bem diretamente toda a celebração sobre o cotidiano. Mas não de uma forma festiva, como é possível perceber pelo verso apresentado antes nesse texto. Ele busca trazir uma certa odisséia cotidiana de simplesmente seguir o comum, de ir trabalhar, de buscar seu dinheiro e nunca fugir disso. É uma idealização pautada sobre uma comodidade humana com essas questões. A crítica dele vai mostrar a necessidade de fugir sobre essa realidade, nem que seja em nossos pensamentos – algo demonstrado em todo o curta. A busca é nunca por estar no ambiente, e sim pela tentativa e necessidade de ser a sua volta, de idealizar algo a mais.
Para compor seu universo próprio ele vai partir para uma inicial musicalidade. Fugindo um pouco das guitarras mais agudas e o instrumental deveras depressivo do Radiohead e de Suspiria, ele traça um plano meio psicodélico. O foco acaba por ser nos sintetizadores, buscando uma certa nota dissonante. A repetição convoca essa correlação do comum, do cotidiano, porém também um estranhamento sobre se repetir sempre. Por isso em, por exemplo, “I Am Very Rude Person”, os sons de passarinho destoam do comum, daquela repetição de letras atrelada a esse pensamento de todos.
Sobretudo, ao ir afundo nisso, Thom Yorke tenta trazer uma espécie de sonho dentro desse lado musical. Com a necessidade do ouvinte estar totalmente atento a essa ambientação, ele se vê imerso em um mundo meio de pesadelos e meio onírico. A odisséia desse andar pelo mundo (uma tentativa interessante para a ouvida em um transporte) constrói uma nova realidade. É uma espécie de eterna tentativa por parte do vocalista de ecoar em nossos ouvidos uma necessidade de fugir de onde estamos. As repetições só trazem quase uma crítica clara. Em “Twist” ouvimos a voz sequencial repetição da palavra título, para nos percebemos nesse mesmo ‘twist’ de sensações. A obrigação de trabalhar para viver e, ao mesmo tempo, a escassez de realmente viver.
Pesando tudo isso, é possível perceber a forma na qual é criado um trabalho totalmente experimental aqui. Se a música já trabalhada e composta pelo vocalista anterioremente tinha essa carga – especialmente em The Eraser -, nesse ponto ele atinge uma outra busca. Uma busca por quase uma vivência realizando realmente uma queda. O mesmo já havia dito em entrevistas que a urgência de fugir da realidade foi o motivador de seus últimos álbuns. Ao transformar isso em uma arte própria, em um CD que expressasse os sentimentos, vemos uma persona meio arrasada. Isso está estampada na capa, nessa queda em um poço sem fim.
Thom não deixa de mostar os lados positivos dessa evasão do ambiente cotidiano. No curta, o amor transborda, em uma tentativa de o idealizarmos. Os amores a nossa volta em todo período, em diversas oportunidades perdidas. Mas, e se caso corressemos atrás? E se, por um acaso, tentássemos escapar do comum de todo dia? ANIMA não traz uma resposta clara ou uma ideologia atrelada. Ele busca trazer uma reflexão para os próprios umbigos de viver mais. De olhar o mundo sob outros olhares e não simplesmente da cabeça batendo de sono. Yorke não tem medo de demonstrar, assim, sua paixão pela vida. De tanto amar, ele quer que todos nós tenhamos a mesma. Ele quer, simplesmente, que nos animemos.