Crítica – A Assistente

Enquanto O Escândalo busca jogar na cara questões sobre o assédio sexual, The Morning Show está atrás de um lado menos direto e mais estrutural do mundo do machismo na sociedade. Todavia, nenhuma das duas produções busca sutileza, e sim retratam o tema de forma bastante drástica. Em relação ao primeiro, isso é feito de forma tão “divertida” de ser assistida, que se torna até banal em muitos momentos o que acontece ali. Esse é o extremo oposto da busca que faz A Assistente. O filme vai através de um olhar menor, mais sutil e contemplativo dessa realidade que aparece diariamente na frente de muitas pessoas, porém, na maioria dos casos, é deixada de lado.

O longa retrata a história de Jane (Julia Garner), uma assistente de produção recém-contratada de um grande produtor famoso em Hollywood. Ela chega todo dia cedo e é a última a sair do local. É uma grande responsável pelo famoso homem, imprimindo materiais, marcando agenda, além de colocar a comida dele em sua mesa. Porém, ela começa a perceber certas questões estranhas envolvendo mulheres e o grande produtor, como uma nova assistente que chega sem experiência e o encontra em um hotel, além de uma pulseira de uma atriz deixada para trás.

Como dito anteriormente, a cineasta Kitty Green faz um filme do pouco. O elemento central da narrativa – a questão dos assédios e abusos sexuais – são uma circunstância que permeiam elementos chaves dos acontecimentos. O fato especial é que acompanhamos toda a trajetória de um dia, a qual a obra passa, sob a perspectiva de Jane. Assim, tudo que ela está passando é também o que o público irá saber. Green poderia até ter tomado um caminho em A Assistente de usar uma câmera subjetiva para aproximar a personagem do telespectador. Contudo, não estamos nem próximos da realidade de uma indústria que perpetua situações como as retratadas. E é nisso que o longa vai com afinco.

A direção sempre busca compreender uma espécie de mundo vazio que acontece ali. A personagem principal não faz parte dessa realidade. Ela se vê imersa de todas as formas possíveis por um universo a qual busca sobreviver para poder crescer na profissão. Não são poucas as sequências que, mesmo em um plano mais aberto, podemos ver uma espécie de claustrofobia de Jane, algo muito forte em suas roupas (destaque para como destoam com o vestimento de outras mulheres que entram na sala do produtor). Ao deixar esses elementos mais claros, Kitty coloca a assistente sob um julgamento constante. Isso perpassa desde os colegas homens, que buscam, por exemplo, escrever um e-mail para ela, ou até da forma como Jane conversa com um homem do RH, que admite diretamente os casos de abuso do chefe.

Nesse sentido, o filme rememora obras como A Negra De…, de Ousmane Sembène, e Wanda, de Barbara Loden. São produções que buscam observar suas protagonistas imersas em um universo que falta espaço para serem elas mesmas e, no caso da obra aqui retratada, para poder também denunciar essa situação. O espaço de um dia ainda reflete mais sobre como esse mundo é cruel com mulheres, visto que é possível acontecer tantos assédios e abusos dentro de um período de apenas 24 horas. Ao mesmo tempo, que Jane está sendo explorada no trabalho nesse mesmo tempo, ficando um dia inteiro no local depois de trabalhar durante o fim de semana, como ela mesmo diz.

Em um cinema que cada vez busca maior o gigantesco – vide os longas da Marvel – é interessante como um filme que retrata um tema tão forte e sério use a ideia do “menos é mais”. Kitty Green faz em A Assistente um uso enérgico das possibilidades espaciais desse ambiente de trabalho, que se reflete na indústria cinematográfica. De certa forma, é quase como se estivéssemos vendo um filme de terror, em que cada elemento ali presente pode trazer o mal à personagem principal. No entanto, ela, tendo de se provar também como mulher, precisa apenas aceitar. E assim, as engrenagens da indústria apenas se repetem e dominam o mundo.

Comentários

Cláudio Gabriel

É apaixonado por cinema, séries, música, quadrinhos e qualquer elemento da cultura pop que o faça feliz. Seu maior sonho é ver o Senta Aí sendo reconhecido... e acha que isso está mais próximo do que se espera.

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