A memória de Van Gogh em No Portal da Eternidade

Há um determinado momento de No Portal da Eternidade que a figura de Van Gogh (Willem Dafoe) começa a ser reconhecida devido a uma crítica positiva sobre seu trabalho, com ele ainda vivo. Enquanto a montagem de Louise Kugelberg e Julian Schnabel foca em uma reação quase glamourosa de uma elite, vemos o pintor em um hospital psiquiátrico, totalmente desgarrado de liberdade. Essa é a clara demonstração do destaque na qual o filme dá para essa história figura, buscando não idealizar, mas quase fazer o público sentir toda vivência de Vincent nos últimos anos de sua vida, na França. Desde sua esperança por conquistar algo até o derradeiro e trágico fim.

A direção, também de Julian Schnabel, possui traços bastante autorais em termos de buscar essa identidade e até memória do personagem principal. Enquanto sua decupagem parece lembrar muito o cinema de M. Night Shyamalan, com os planos e contra-planos acontecendo em uma mesma sequência, toda a encenação se baseia em uma reconfiguração de mundo, sob uma diferente ótica. Essa questão, inclusive, faz a câmera soar sempre estranha, como se nunca fizesse parte daquelas questões mundanas, estudando a psiquia do personagem com base nisso. Algo bem próximo, inclusive, foi feito no longa Medo, de 1983.Observa-se desde um uso constante de uma câmera em primeira pessoa (algo mais aprofundado nos diálogos mais contemplativos, como com Madame Ginoux, interpretada por Emmanuelle Seigner, e o Padre, feito por Mads Mikkelsen) até um desfoque na profundidade de planos. Aliás, o uso desses planos mais profundos acabam sendo fundamentais para o andar desse universo, sempre do ponto de vista um tanto quase perdido e confuso de Van Gogh. Seu olhar nunca é como se fizesse parte do ambiente em que está, mas sim sempre sendo julgado, inferior, seja pelos outros personagens ou até pela natureza em si.

Dentro dessa conexão temática, a obra usa um compasso narrativo bastante interessado em se aprofundar nos pequenos instantes de sua vida, ao mesmo tempo que conectar esses a sua perspectiva da sua mente. Isso ainda gera a criação quase em etapas da chegada até seus últimos dias. Sua primeira conexão com Gauguin (Oscar Isaac), por exemplo, parece trazer uma elucidação a indagações propostas por ele perante a outros artistas. Contudo, ele sente essa conexão tão próxima a ponto de se depender de outra figura, sendo sua própria existência nunca suficiente. Em uma conversa mais profunda também com seu irmão Theo (Rupert Friend), a produção transfigura toda essa co-dependência em uma artificio da montagem, sempre trazendo os dois sobrepostos – Theo banca todo o trabalho de Vincent.

Mesmo sabendo bem criar uma unidade narrativa, Julian parece um pouco perdido ao gerar essas conexões perante ao personagem principal da história. O legado e uma certa busca por renascer a memória de Van Gogh parecem se tornar tão mais importantes que o própria relação com a forma da película nisso tudo. Se em alguns instantes a visão turva da primeira pessoa, junto com uma mistura de cores, seja quase angustiante, em outros isso parece ser esquecido, a ponto de observarmos em uma certa normalidade, inclusive. Dentro desse ponto, diversas cenas são sempre colocadas de forma a reforçar assuntos já instigados antes, como seu diálogo ao tentar fazer uma mulher posar para ele.

A sutileza, aqui, acima de tudo, parece ser o ponto mais importante ao olhar para a vida de um dos pintores mais famosos de todos os tempos, com uma vida totalmente jogada a esmo. O trabalho busca todo ser bem mais em torno de gerar uma observação sobre toda sua carreira e seus pensamentos, do que propriamente trilhar esse caminho, levando ao longa uma cara bem mais de experimentalismo. Toda a delicadeza parece uma tentativa mesmo de realizar uma pergunta para o próprio em de qual maneira ele realizar uma película sobre sua vida.

No Portal da Eternidade é um filme totalmente apaixonado pela visão de mundo de Van Gogh. Apesar de evitar se estender dentro do delicado tema sobre seu abandono e depressão, tenta chegar o mais próximo possível de gerar um olhar de mundo a sua maneira. É uma forma, claro, de resgatar memórias e transforma-lá em arte, assim como o próprio personagem revela durante a narrativa. Acima de tudo, o diálogo sobre a visão desse perante toda sua trajetória e da forma que ele seria reconhecido futuramente, parece ser um claro piscar ao público de nunca esquecer a vida desse artista. Por isso, há uma latente potência em seu título. Visto que, Vincent passou a muito tempo desse mundo, atingindo a imortalidade ante os humanos e a única maneira de chegar próximo a ele seria na porta desse infinito.

Comentários

Cláudio Gabriel

É apaixonado por cinema, séries, música, quadrinhos e qualquer elemento da cultura pop que o faça feliz. Seu maior sonho é ver o Senta Aí sendo reconhecido... e acha que isso está mais próximo do que se espera.

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