Adagio e o futuro do presente
O ano de 2067 ainda parece um pouco longe quando pensamos sob uma ótica atual. Ainda estamos tão próximos do início dos anos 2000 que mais 47 anos ainda poderão demorar uma eternidade. A grande questão em torno disso é a modificação das relações sociais, algo intensificado plenamente nas últimas duas décadas, pautando a vida social e o consumo de entretenimento dentro do meio online.
Adagio tenta trazer essa perspectiva em um futuro ainda mais distante. Não existem mais filmes, séries, vídeos no Youtube ou qualquer outra coisa. A diversão da vida dentro dos seres humanos e ver e observar os sonhos um dos outros, sendo esses transmitidos online enquanto a pessoa dorme. Dentro desse universo existe a jovem garota Kaya Muniz, na qual acaba experimentando uma droga sintética e faz uma transmissão ao vivo do seu pesadelo, criando um novo gênero: o terror. Porém, até que ponto isso poderá afetar a cabeça da menina? Qual o limite entre o público e o privado? São algumas das questões trazidas pela HQ.
O desenvolvimento narrativo da obra é um tanto quanto inchado. Ao trabalhar boa parte do início na amizade entre Penélope e Kaya, há uma certa criação de uma linha aonde a trama poderá ser seguida. O grande problema disso tudo é como se transformam essas pequenas resoluções trabalhadas inicialmente – inclusive com a apresentação da ideia da transmissão de sonhos – em uma perspectiva adolescente. É bem claro a maneira do quadrinho trazer essas discussões para algo mais contemporâneo, principalmente em relação as redes sociais. Todavia, o grande pano de fundo para tudo acontecer é jogado de lado em diversos momentos para uma trama menos relacionável se desenvolver.
Dessa forma, o roteiro de Felipe Cagno peca ao não conseguir balancear esses compassos do enredo de maneira balanceada. Um exemplo claro disso é quando Muniz vai ter seu pesadelo. A sequência, em que poderia ser voltada a um terror psicológico, dessa construção da ideia psicológica da pressão social, se transforma em uma cena muito simplista, apesar de trazer resoluções trágicas futuras. Esses pequenos pontos trazem a um inchaço narrativo e transformam o andamento da mesma cansativo.
A mistura das artes entre Sara Prado e Brão se transformam, sendo assim, no grande ponto alto do volume. Enquanto Sara traz os instantes mais realistas e cotidianos, como o lado da escola e o dia a dia, Brão desenha os sonhos buscando um ponto bem forte dentro do lúdico, com uma forte influência meio fantasmagórica. Prado realiza traços mais grossos para desenhar suas personagens e consegue, dentro de cada cena, trazer os pequenos elementos compostos dentro desse mundo. A influência bem surrealista de seu companheiro dentro da HQ acaba sendo um quesito primordial para entender a obra de uma maneira geral.
É interessante como ainda existe uma tentativa de Cagno em trazer certas discussões sociais, como homossexualidade, feminismo, entre outras. Todavia, elas sempre são muito mais pinceladas do que propriamente desenvolvidas, apesar de algumas serem fundamentais ao andamento da trama. Assim sendo, a história, apesar de se fechar em um tema, tenta abranger um pouco de tudo, soando sempre inchado demais.
Adagio – a parte triste de uma música clássica – é fundamentalmente um quadrinho sobre relações contemporâneas, porém trazidas sob uma nova ótica. Apesar de uma certa confusão narrativa, os debates trazidos dentro da parte final fazem a obra se tornar um pouco mais complexa e intrigante. Esses questionamentos abertos pelo enredo, além de não obterem resposta, ainda obrigam aos leitores a tentarem entender um pouco mais sobre o futuro que se aproxima. Já que 2067 parece ainda longe, mas a perda de nossa pessoalidade parece estar cada vez mais próxima.