André Diniz e seu Entre Cegos e Invisíveis

André Diniz sempre foi um quadrinista meio melancólico em seus trabalhos. Porém, em certas mesclas, um lado bastante cômico também foi bastante presente em suas obras, alertando quase um brincadeira com esse mal-estar social. A sua recente adaptação para os quadrinhos de O Idiota, clássico livro de Fiódor Dostoiévski, traz mais a melancolia de volta como um tom predominante em suas páginas. Agora, em seu mais novo trabalho, intitulado Entre Cegos e Invisíveis, o artista retoma novamente suas temáticas complexas. A família aqui, essa vanglorizada pelos que estão no poder, torna-se um elemento dramático potente para contar uma história sobre feridas e passados.

Na HQ, estamos no ano de 1971, em terras brasileiras. Período auge da Ditadura Militar, Jonas e Leona retornam após o enterro de seu pai, na qual abandonou a vida quase inteira, o Coronel Gilberto Couto, vanglorizado pelos jornais e militares. Ao voltarem de carro, junto de um estrangeiro e a esposa de Jonas, Maitê, eles ouvem sobre o fenômeno da super-Lua que estaria acontecendo por ali. Eles acabam nunca conseguindo realmente a ver, contudo a influência desses astros trazem uma série de acontecimentos trazendo uma mistura entre feridas abertas do passado e a melancolia de viver no presente.

Diniz não tem medo de abrir a dramaticidade de sua narrativa. Logo quando somos jogados para dentro da história, diversas discussões retomam acontecimentos e pontos da vida. Ali mesmo, já é possível observar como esse passado traumático estará presente – e ainda está – dentro dos personagens. Todos os eles parecem quebrados e confusos, incluindo até o estrangeiro, na qual não entende e nem se faz entendido pelos brasileiros. A relação entre todos os quatro ali sempre são difusas, apresentadas de uma forma cada vez mais difícil de ser entendida. Talvez a maior proximidade ali presente seja entre Maitê e Leona, porém mais em uma compreensão da outra do que propriamente uma amizade, ou algo similar.

O grande fio narrativo da obra encontra-se sob a figura de Jonas. Ele, o único a buscar “entender” o lado do pai de ter abandonado e sempre agressivo com sua esposa, encontra-se quebrado por dentro. Esse entendimento por parte do público que lê sob essa questão específica acontece apenas como a grande revelação final, todavia é intrigante como Diniz coloca isso dentro das atitudes desse personagem. Em uma cena específica envolvendo a violência, por exemplo, é possível compreender quem esse homem é de verdade. Ao mesmo tempo, também vemos sua relação específica de racismo, na qual reverbera aos tempos atuais.

Acima de tudo, essa uma história sobre amargura. Ela está presente até no lado “errado” disso tudo. O ponto específico da lanchonete é algo mais interessante nesse sentido, pois, quando deveria ser um espaço de relaxamento, torna-se o mais pesado de todas as relações dos protagonistas ali presentes. Eles não carecem de forma alguma em personalidade, possuíndo características sempre misteriosas, que os tornam cada vez mais possivelmente humanos. A humanidade e a existência de seres quase reais nesse passado sombrio do Brasil, ao mesmo tempo que reverberando numa contemporâneidade, causa até um certo espanto ao ler essa HQ.

Capa da HQ

Entre Cegos e Invisíveis é uma história de grande impacto, definitivamente. Apesar de curta, e sem muitas resoluções fáceis ou diretas, encontra-se como uma obra de poder nos pequenos elementos nessa narrativa. Os espaços nas conversas causam sempre um impacto visual a parte, afim de trazer como esse passado está influenciando. A super-Lua está muito mais presente como um elemento modificador e não necessariamente como algo diretamente na trama. Afinal, uma mudança de estações e luas sempre mudam tudo. E essas mudanças são necessárias para deixar o passado sofrido para trás.

Comentários

Cláudio Gabriel

É apaixonado por cinema, séries, música, quadrinhos e qualquer elemento da cultura pop que o faça feliz. Seu maior sonho é ver o Senta Aí sendo reconhecido... e acha que isso está mais próximo do que se espera.

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