Barry e a arte como refúgio
A metalinguagem é um dos cenários mais amplos da ficção.
Quando falamos sobre um filme ou seriado metalinguístico, a abordagem que esse produto busca é infinita: pode-se variar para a comédia, para o drama, para a crítica ácida e até mesmo apenas um reflexo do que está sendo discutido, sem muito aprofundamento. Filmes como Oito e Meio, de Federico Fellini, Pânico, de Wes Craven, onde temos adolescentes verborrágicos sendo mortos falando sobre adolescentes verborrágicos que são mortos, e seriados como Jane The Virgin, sobre uma jovem apaixonada por telenovelas mexicanas tendo sua história contada e moldada exatamente como uma, são exemplos de obras metalinguísticas que conseguem discutir um gênero e permanecer nele de uma maneira consistente.
Esse ano, a HBO lançou o seriado Barry, estrelado por Bill Hader, mais conhecido por suas performances cômicas em filmes do gênero ou no Saturday Night Live. Na série, Hader dá vida ao personagem-título, um assassino profissional que vai à Los Angeles realizar um trabalho e acaba se envolvendo em um grupo de teatro, descobrindo em si um talento natural e uma paixão pela atuação.
Apesar de ser descrita como uma comédia, logo no primeiro episódio é possível notar que há uma grande carga dramática ao redor da história e dos personagens. Não se engane, há muitos excelentes momentos cômicos: além do Hader, que é naturalmente engraçado, temos uma gama de coadjuvantes que não ficam para trás, seja com tiradas aleatórias ou a maneira como eles se inserem na vida dupla do protagonista, alheios aos segredos que ele guarda e sem saber o que uma frase errada poderia significar no contexto perigoso que Barry vive.
Porém, é importante destacar como o roteiro e a direção equilibram tão bem o humor e o drama. Os criadores poderiam facilmente ter decidido seguir no caminho da “comédia de ação”, que é muito popular nas telonas, e cair no lado pastelão e seguir uma narrativa apenas bem-humorada e divertida. Mas Barry traz mais do que isso. Nosso protagonista é um homem que mata pessoas para viver e não é, de fato, feliz. Um ex-veterano do exército americano, quando o dano psicológico que ele traz de sua experiência na guerra o impedem de viver a vida que gostaria, suas habilidades físicas fornecem, no mínimo, um modo de viver. Mesmo que não seja um modo que Barry particularmente goste ou ache válido. Quando conhece e experiencia o teatro, ele finalmente sente que há que ele possa fazer e ser feliz.
O refúgio que Barry encontra na arte é um reflexo perfeito de como o grande público também o faz. Quando estava produzindo O Terminal, Steven Spielberg disse que queria fazer algo mais leve, engraçado e emocionante. Ele disse:
Esse é um tempo em que precisamos sorrir mais e filmes de Hollywood deveriam ajudar as pessoas nisso em tempos difíceis.
Para muitos, a apreciação de livros, televisão, cinema e quadrinhos não se trata apenas de entrenimento passageiro ou um hobby, mas um escapismo quase bucólico e imeditado. Há tanta coisa na vida de tanta gente, tantos pesos e experiências que cada pessoa carrega que torna um alívio tão grande pelo menos tentar se deixar levar por algumas horas para as experiências de outras pessoas, outros mundos e outras realidades.
Para Barry, vai além de seu talento e de sua recém-descoberta paixão pelos palcos. É também uma maneira de escapar de sua assustadora realidade, das escolhas que seu trabalho lhe obriga a fazer e de como elas constantemente o assombram. Em um determinado momento, após um dia em que o trabalho o leva a tomar decisões extremas com consequências terríveis, Barry tem que entrar em cena em uma das peças mais importantes da escola de teatro. É nesse momento em que Barry revela, indiretamente, todo a dor que ele guarda dentro de si, involutariamente entregando o que seria para a plateia um excelento trabalho de atuação. É um momento dirigido de maneira soberba, quando não podemos ver a reação da plateia, e apenas ouvir o que Barry tem a dizer, e sintetiza toda a essência do personagem em pouco mais de um minuto. Inclusive, Hader foi indicado ao Emmy de Melhor Ator em uma Comédia pelo episódio em questão. (Pessoalmente, acho que poderia facilmente ter ido na categoria de Drama, mas a indicação seria mais certa em Comédia.)
É muito interessante quando um produto vai além do entretenimento e causa aquela identificação entre personagem e espectador, mesmo que sejam cenários bem diferentes. Portanto, vale a pena ficar de olho nesse seriado, não só pelas questões que ele dialoga de maneira excelente, mas também porque sabe ser muito engraçado quando precisa.
A HBO já renovou Barry para uma segunda temporada, ainda sem data de estreia prevista.