Boneca Russa: Criatividade e bom humor refrescam tema batido

É um consenso implícito que o recurso narrativo de time loops (que é quando um personagem, geralmente o protagonista, encontra-se preso em um momento temporal, sendo obrigado a revivê-lo constantemente) foi melhor utilizado em O Feitiço do Tempo, comédia com Bill Murray que recebeu indicação ao BAFTA de Melhor Roteiro Original. Ao longo dos anos, diversos filmes com premissas semelhantes foram lançados, com mais destaque para o A Morte te dá parabéns, terror de 2017 que flerta com a comédia. A mais recente investida nesse subgênero é o novo seriado da Netflix, Boneca Russa. 

Criado por Lesley Headland, Amy Poehler e Natasha Lyonne (que também interpreta a protagonista), o seriado segue Nadia Vulvokov, uma engenheira de softwares que está comemorando seus 36 anos em uma festa comandada por sua amiga Maxine (Greta Lee). Quando a noite chega ao fim, ela morre e acorda novamente no início de sua festa. Enquanto tenta entender o que está acontecendo e o porquê, Nadia se vê presa em uma noite sem fuga, sendo obrigada a morrer repetidamente, de maneiras cada vez mais inusitadas.

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Se a premissa parece comum e batida, é um alívio dizer que o desenvolvimento da história de Nadia não é nada disso. Desde o primeiro episódio, é perceptível o quanto a série traça caminhos ainda não utilizados em tramas sobre time loops. Talvez por não se tratar de um longa-metragem, abordar essa premissa em um seriado mostra como ela pode ser eficaz e divertida, usando as repetições enfrentadas pelos protagonistas para construir seus personagens sem pressa. Dessa maneira, fica não só mais fácil se envolver na história como também mais divertido e até mesmo desesperador conforme a trama avança.

Outro grande triunfo do seriado é seu elenco. Natasha Lyonne é um rosto conhecido, não exatamente popular ou super famoso, mas você com certeza conhece a moça de algum lugar. Com uma performance cheia de carisma e acidez, Lyonne desconstrói aqui o arquétipo da mulher que ela interpretou tantas vezes: a irônica personagem bad ass que é chegada a meios ilícitos de diversão e com um passado problemático. Embora não seja sua primeira protagonista, Nadia é com certeza uma das melhores interpretações da atriz, mostrando que consegue muito bem carregar uma produção sozinha.

Apesar disso, Charlie Barnett não se deixa ofuscar e só acrescenta ao seriado quando seu personagem, Alan, é introduzido. Alan não é só uma presença essencial para o andamento do enredo como também um excelente contrapeso à protagonista elétrica de Lyonne. A dupla tem uma ótima química e é muito divertido ver os dois juntos em tela.

Ruth (Natasha Lyonne) e Alan (Charlie Barnnet) em Boneca Russa.

Ainda que o entretenimento aqui seja garantido, ainda há temas sérios sendo discutidos. Aos poucos, o seriado aborda assuntos como depressão, vício, relacionamentos, traumas de infância e como eles podem afetar sua vida adulta e até mesmo suicídio. É possível perceber que houve um consenso claro e bem planejado entre criadores, roteiristas e diretores sobre o momento certo de deixar a comédia de lado para trazer uma veia mais dramática e até mesmo, brevemente, de terror. Aliás, vale destacar como o roteiro é escrito exclusivamente por uma equipe feminina, assim como a direção, dividida entre a criadora Lesley Headland Jamie Babbit, que já havia trabalhado com Lyonne na comédia Nunca Fui Santa. 

Uma das primeiras estreias da Netflix em 2019, não é difícil imaginar que a série passe despercebida pelo grande público devido ao extenso catálogo do serviço. Seria muito injusto, já que é uma das produções mais inventivas da casa vermelha. Contando com um bom time criativo, um elenco afiado e uma visão inovadora de um recurso usado à exaustão, Boneca Russa vale a conferida e a maratona como uma das melhores estreias televisivas do ano até agora.

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