Clarice Falcão abraça o eletrônico e a melancolia em Tem Conserto

Clarice Falcão, ao começar sua carreira musical, parecia rumar para um lado inteiramente cômico. Seu primeiro álbum (Monomania) pouco explora uma certa variedade de instrumentos ou até na letra. Os refrões fáceis e bons de decorar, em conjunto com o vilão sempre simples, transformam a obra em algo bastante direto. A diversão acabava por ser o grande diferencial, especialmente nas canções mais irônicas. Com o segundo disco Problema Meu, a temática é a mesma, ainda que venha trazendo mais sintetizadores e uma encenação musical interessante. Embora não seja apropriado falar de progressão na arte, Clarice claramente se desafia sem perder seu DNA.

Em Tem Conserto, seu mais recente lançamento, Clarice consegue jogar isso tudo para cima e ir além. Nesse CD, toda sua melancolia e receios na vida são colocados a prova e jogados na frente das letras. A simples dificuldade de viver pela existência da vida acaba sobressaindo como tema chave de tudo aqui. Ao mesmo tempo, a cantora não tem medo de ousar também no seu lado rítmico. Se anteriormente a voz e violão era o predominante, nesse ela abraça de vez os sintetizadores e o eletrônico. Em alguns instantes, é possível perceber sua dedicação nessa questão. Entretanto, essas batidas não tem nada de feliz em um universo altamente complicado para a artista.

É impressionante a forma como Clarice se abre em grande parte dos versos. Em faixas dos álbuns anteriores isso parecia ser mais perceptível, contudo é bastante sério nesse lançamento. Um exemplo claro acontece logo na música de abertura, “Minha Cabeça”. Seu jogo de palavras vai transformando o que pareciam ser versos de romance em algo ainda mais profundo, sobre ansiedade. Quando ela diz “Minha cabeça me faz; Crer que eu sou doida, e aí; Me deixa doida, vê só; A ironia” abre posições em cheque de si mesma. Logo seguidamente, ela fala “Só quem consegue calar; Tudo aqui dentro, arrumar; Tudo aqui dentro, é você”. Pode-se interpretar como algum relacionamento, amigo ou pessoal na qual a faz bem. Contudo, também é possível pensar que se trata de remédios para controle. É uma brincadeira na letra sobre a ideia de pensar uma verdadeira ajuda para a cabeça.

Até quando a canção traz um ritmo e musicalidade mais empolgados e dançantes, a trajetória da letra causa uma ironia bem direta. Em “Horizontalmente” e “Só + 6” a dualidade acaba, do mesmo modo, mostrando-se presente. Na primeira, certas pessoas podem interpretar sobre um lado meio preguiçoso do eu-lírico. Todavia, é impossível não realizar conexões com um lado meio depressivo da mesma. A frase composta do refrão (“Hoje eu não saio dessa cama nem a pau”) traz isso de forma bastante expressiva. Na segunda, acaba sendo possível racionalizar uma diversão dessa personagem, querendo se divertir eternamente. Contudo, isso ainda contrapõe essa amargura de viver e voltar a realidade, por isso a fuga em qualquer coisa. Não necessariamente algo ilícito, mas qualquer coisa para fugir da realidade.

Clarice parece tão exposta aqui, a ponto de não ter receio algum de falar sobre sexualidade. Em “Dia D” e “CDJ” ela por pouco chega a retomar aquela ironia de anteriormente da sua carreira. Sabendo de um certo choque possível, na primeira citada, o refrão antecipa esse fim quando a mesma fala, simplesmente, “Hoje eu vou dar”. A brincadeira citando outras línguas traz uma verbalização da vontade dessa persona. Ao mesmo tempo, a segunda ainda consegue trazer o mesmo jogo de palavras comentado antes. Quando é falado “Quando a festa esvaziar; E essa noite tiver fim; Eu queria que você tocasse uma só pra mim”, é possível trazer essa conotação sexual e, do mesmo modo, o lado musical presente ao longo da canção. A exposição sobre os desejos de si mesma acaba sendo ainda passível de uma construção crítica da sociedade, que observa uma mulher pensar assim como simplesmente ‘louca’. Clarice parece ter o desejo de assumir essa alcunha traçada ironicamente.

Tem Conserto talvez seja o trabalho mais direto e complexo de Clarice Falcão. Abandonado um traço mais independente e quase “fofo” de álbuns anteriores, ela expõe sobre si mesma sem medo. Não a toa, a capa traz a cantora olhando para si mesma no reflexo meio difuso. Mesmo expondo todas as suas questões, angústias e dificuldades, a artista não abandona uma vontade de passar por tudo isso. A faixa final (“Tem Conserto”), abre sobre todas essas dificuldades e em chegar além. Ao falar “Não sei como mas tem conserto; Vai que eu sou o meu conserto; Dia desses eu me conserto”, Clarice consegue enxergar seu futuro. E embora ela ainda não consiga vislumbrá-lo, isso não a abala.

Comentários

Cláudio Gabriel

É apaixonado por cinema, séries, música, quadrinhos e qualquer elemento da cultura pop que o faça feliz. Seu maior sonho é ver o Senta Aí sendo reconhecido... e acha que isso está mais próximo do que se espera.

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