Como nascem os tabus?
Há alguns anos, Janaína de Luna, editora da Mino, teve a ideia de fazer uma HQ compilada. O objetivo era dar uma temática para alguns quadrinistas e esses desenvolverem histórias próprias. O projeto acabou demorando um certo tempo para começar a andar, mas Janaína não se desfez desse conceito. Com a intenção de, também, divulgar autores novos do cenário de HQs nacionais, foi iniciado o projeto Tabu. Pouco mais de um ano depois – no início de 2018 ela apresentou para um público maior na Loja Ugra, em São Paulo -, a concepção se tornou realidade.
A partir disso, os quadrinhos foram ganhando vida própria. Foram convidadas Jéssica Groke, Lalo e Amanda Miranda. Todas aceitaram. Três mulheres para discutir uma temática tão cara a sociedade, especialmente no contexto político atual: o tabu. Segundo de Luna, “foi uma mera coincidência” o fato de terem sido três escolhidas. De qualquer forma, todo o debate proposto dentro da obra acabou virando algo mais intrigante pelos olhares trabalhados por elas.
“Nós só conversamos sobre qual tema cada uma tinha decido para não ter tabus repetidos no livro. Daí pra frente cada uma fez o seu. Incrívelmente há uma coesão entre os trabalhos, tanto no conteúdo tanto nas capas, mesmo sem ter feito nada juntas”, conta Jéssica em entrevista ao Senta Aí.
Ela ainda completa dizendo que “[Janaína] nos convidou para fazer o livro e já havia o tema TABU decidido. Ai cabia a nós escolher de qual TABU a gentr queria falar”. “Ela chegou a sugerir alguns temas, mas nós tínhamos liberdade de propor outros”, revela.
Depois desse primeiro contato, o projeto começou a ganhar forma. O trabalho de Amanda retrata sobre a escolha das mulheres com relação a própria vida, instigando um debate central colocado na ideia do aborto; o de Lalo fala sobre o desejo de morrer e traz uma conexão profunda com toda a discussão, na qual sempre adentra no campo religioso, sobre a morte assistida; por fim, o de Groke fala sobre a descoberta do próprio corpo e suas correlações com a experiência da sexualidade.
“Eu trato um tema urgente na narrativa, que vem sendo discutido com frequência na América Latina. E assim como diz a Patrícia Hill Collins, se o termo “feminismo” barra essa discussão, acho que é justo buscar outras maneiras de tratá-lo. O mistério é uma delas”, relata Miranda sobre a sua história. O feminismo precisa ser prático, não só um discurso, uma camiseta, uma data comemorativa, um rótulo pra obra”.
Já Lalo comenta não ser uma grande estudiosa sobre o tema da morte, presente fortemente em seu material. Contudo, a mesma acredita que a “a humanidade é fascinada com a certeza que vamos morrer e incerteza do que isso é na prática”.
“Mesmo a ciência descrevendo a morte biológica, e as religiões tendo suas histórias para os caminhos da nossa consciência, morrer é inexplicável. Com a exceção de lendas antigas, a morte é um caminho sem volta e obrigatório. E é desse mistério inevitável que vêm o fascínio. Mas, o não falar, ou o ser tabu, tem haver com controle”, diz. “Penso que essas narrativas de controle social instrumentalizam o frio na barriga que a morte trás para se sustentarem. E para garantir que essa narrativa não seja contestada se desestimula o debate, o medo silencia. E o silêncio naturaliza o medo”.
Por fim, Jéssica revela que sua intenção, desde o início, “era trabalhar com o desejo e o prazer”. Isso porque, segundo a mesma, é “um grande tabu, especialmente no caso das mulheres”. O objetivo, a priori, era fazer uma história sobre masturbação. Entretanto, ao trabalhar mais com esse tema, ela foi para a sexualidade infantil.
“Não queria cair na heterossexualidade, pois acho que já mostraram tanto isso, estou com os olhos meio cansados de ver tudo sendo tratado na perspectiva heterossexual (e masculina, normalmente). A protagonista vê na prima um mistério que ela vê em si mesma também. As duas personagens se espelham de alguma forma. É através da prima que a protagonista acessa ela mesma, sua própria sexualidade”, contextualiza.
Embalada em um saco preto, bricando até com um conceito de censura, Tabu é uma HQ na qual traz complexas discussões sociais para a nona arte. Buscando gerar reflexões ao público leitor, é, definitivamente, uma obra que poderá deixar fora de uma realidade cotidiana. Desde o sexo até viver, os tabus são frequentes embates na sociedade ao longo da história. Porém, como eles nasceram e se sustentaram? Como transforam-se em o que são hoje? Essas perguntas são quase impossíveis de serem respondidas. De toda forma, nos confrontar-mos com eles é fundamental para continuar se questionando e existindo.