Crítica – Intrusos (HQ)

Os seis contos propostos na HQ Intrusos, de Adrian Tomine, parecem histórias vistas ao nosso lado. O autor exacerba essa realidade urbana da contemporaneidade para falar sobre nós mesmos. A arte, no fim das contas, também sempre abordou os seres humanos como eles. Aqui, não é nada diferente. No entanto, Intrusos parece bastante preocupado em querer olhar a mais, como uma conversa particular entre mais velhos e mais novos. A conversa não existe por si só nesse trabalho, porém ela é cercada de uma realidade mais profunda. Adrian, então, busca olhar esse mundo e rir dele tão alto, para depois perceber a tristeza na qual estamos.

É nesse quesito que é possível ver cada desenrolar das narrativas. A mistura de um sarcarmos cômico com uma tristeza inerente (representada brilhatemente nas cores difusas) tratam de observar quem somos. “Vamos, Owls” talvez seja uma das que constrói isso de um jeito mais intrigante. Os dois personagens se conhecem, contudo não querem conhecer o passado sombrio um do outro. Resolvem ficar juntos em um relacionamento, porém sem conhecer complemtamente nada sobre aquela pessoa. Esse pano de fundo, acaba desenrolando em toda uma questão de violência contra mulheres, além de retratar nosso estado quase temperamental. Por que não buscamos mais o contato? Por que não buscamos mais entender quem os outros são?

Esse sarcasmo para lidar com os próprios demônios – demônios esses onipresentes nos humanos – elevam o repertório de Tomine. Sem uma definição clássica de quadros, sem uma definição de acontecimentos, sem uma narrativa exata. O autor prefere buscar um olhar diferente na estética para cada trama ali apresentada, buscando não deixar ela ser ela mesma. Buscando olhar para esses acontecimentos e trabalhar eles no limiar do mundano ante o absurdo. Essa narrativa, em conjunto com o apresentado, parece soar esquisita em alguns instantes, porém traz uma influência cinematográfica mais diretamente, especialmente sobre a visão de mundo por Noah Baumbach e Spike Jonze, por exemplo.

Outro conto com extremo destaque é “Breve Histórico da Arte Conhecida como ‘Hortescultura'”. Possivelmente é o desenvolvimento mais voltado a uma comicidade de todos, contudo sempre trazendo uma busca eterna por seguir o sonho do protagonista. Ele procura fazer sucesso com a mistura de arte e plantação. Todos, a todo momento, o enfatizam para seguir seu sonho, mas não o apoiam propriamente. Sua mulher é a única realmente do seu lado a toda situação. Ele começa a perceber um certo fracasso na sua vida, relacionado a toda uma construção social prévia. A pressão por dar certo e fazer suas coisas, nem sempre dá certo – entretanto não sabemos disso. Nunca nos contaram.

Essa sociedade atual ainda pode mexer com o psicológico, inclusive até na própria casa. A pressão por viver nos transforma em intrusos no nosso habitat dirário. Em “Triunfo e Tragédia” a filha de um homem tem o sonho de ser uma comediante sem saber fazer piadas ou até ter graça. Isso gera sempre uma negativa do pai de ajudar a sua descendente, todavia uma eterna ajuda da mãe a situação. Ele sempre faz de um jeito a coloca-la para baixo e, chegando ao fim, percebe como corroborou com um mesmo discurso a todo segundo. A construção de quadros aqui feita gera ainda uma tensão maior, devido a ser uma divisão quase constante de 20 quadros. É um sentimento de enclausuramento pelo simples fato de viver e buscar.

Intrusos é uma HQ bem mais complexa e difusa do que parece ser a primeira vista. É uma trama sobre olhares sociais e sobre nossa condição de existência. Nesse sentido, é possível até pensar no autor Adrian Tomine como um filófoso. Filósofo esse preocupado em obsevar nossa existência a todo segundo, as nossas mesmas histórias. Essas, totalmente complicadas e – quase sempre – finalizadas em tragédias. Afinal, não são tomos realmente os grandes vencedores e consumadores de resultados. Não é a maior parte dos homens e mulheres conquistadores de suas relações. Por isso, no fim das contas, sempre seremos intrusos. Intrusos dos poderosos, daqueles que acabam dando certo em uma sociedade fragmentada. Entretanto, nós formamos essa sociedade estruturante. Nós, corroboramos como intrusos de nós mesmos.

Comentários

Cláudio Gabriel

É apaixonado por cinema, séries, música, quadrinhos e qualquer elemento da cultura pop que o faça feliz. Seu maior sonho é ver o Senta Aí sendo reconhecido... e acha que isso está mais próximo do que se espera.

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