Crítica – A Esposa de Tchaikovsky

As ruas são todas escurecidas, tensas, depressivas. E isso não é apenas no ambiente, mas também em todos que o cercam, sempre figuras complicadas, difíceis de lidar e, acima de tudo, opressivas. O diretor  se baseia nessa construção para falar sobre a protagonista de A Esposa de Tchaikovsky. Imposta dentro desse meio, ela se torna apenas mais uma: tensa, mal, cansada, escondida e desaparecida. Tão desparecida que nem mesmo seu nome aparece no título do filme. É como uma persona que foi deixada de lado pelo desde a época em que ainda vivia na Terra. Como se não fosse necessário ser recordada.

Contudo, Antonina Miliukova (interpretada por Alyona Mikhailova) é uma figura também complicada de se analisar. Até porque, como o próprio começo do longa mostra, ela parece alguém que, no fim das contas, busca apenas o bem das pessoas. Esse bem representado aqui pelo compositor Pyotr Tchaikovsky (Odin Lund Biron). Não há certezas sobre isso, entretanto um dos grandes nomes da música russa de todos os tempos sempre pareceu ser homossexual. Além de não esconder alguns relacionamentos, também foram descobertas cartas trocadas por ele, que deixam isso ainda mais claro. Para tentar ajudar a encerrar as especulações sobre o artista, Antonina se vê em uma espécie de obrigação para a própria vida: casar com Tchaikovsky.

A narrativa imposta por Serebrennikov é, no entanto, de complicações. Curioso como ele sempre coloca a personagem principal como alguém deixada de lado em todas as conversas e ambientes. Além disso, ela é sempre a primeira figura a ser massacra quando algo de ruim acontece ao homem pelo qual ela quer se casar. Fica claro que o cineasta tenta impor um caráter crítico feminista para a trama, que tem esse modelo por si só. Toda a encenação reforça esses elementos deixando não apenas ela, mas ele também, sempre de lado, nos cantos do cenário, como figuras marginalizadas. Ambos são vítimas da própria sociedade.

Ao mesmo tempo em que isso ocorre, quando os dois estão juntos, a direção também reforça esse olhar admirado de Antonina por Tchaikovsky, como se fosse um tanto quanto inacreditável ele estar ali presente. É claro que a preocupação aqui gira em torno da condição psicológica da protagonista. Acompanhamos ela por todas as partes, quase que sofrendo as mesmas consequências que ela sofre. O lado voyeur da própria construção cênica gera uma cerca brincadeira com essa fofoca que sempre circulou a cerca da sexualidade do compositor. Somos parte dessa mesma sociedade que está a julgando, assim como ele.

A frontalidade da direção, que usa e abusa da câmera na mão, constrói o mesmo olhar, de uma certa vítima de tudo. Ao mesmo tempo que fazemos parte daqueles que a acusam, também somos parte dos que a ajudam. Essa centralidade da dualidade no próprio olhar da narrativa é que faz com que a própria encenação seja maior que os discursos e os desenvolvimento por personagens por si só. Pouco sabemos sobre seus dramas do passado, que ecoam no presente. Todavia, estamos sempre vendo os efeitos dos mesmos.

A Esposa de Tchaikovsky é um filme que consegue misturar um caráter confessional com uma trama sobre solidões. Porém, o mais importante para o diretor  não é necessariamente a história que está se contando, por exemplo, e sim de que maneira nós, como sociedade, enxergamos isso atualmente. Enxergamos a vida de duas pessoas que se uniram sem tanto em comum, apesar sob o objetivo de se esconderem. Desse jeito, ele coloca nós, enquanto público, sob uma ótica de julgador, de juiz, para definir se o que está sendo demonstrado é certo ou errado. Ao não dar respostas, ele demonstra como o público e nossos antepassados somos parte central da construção de tudo visto em tela.

Comentários

Cláudio Gabriel

É apaixonado por cinema, séries, música, quadrinhos e qualquer elemento da cultura pop que o faça feliz. Seu maior sonho é ver o Senta Aí sendo reconhecido... e acha que isso está mais próximo do que se espera.

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