Crítica – A Festa de Léo
Primeiramente, um plano aberto bem do alto da favela do Vidigal, no Rio de Janeiro. De lá, vamos até a casa de Rita (Cíntia Rosa), bem próxima do alto da comunidade. Junto de uma amiga, ela arruma alguns brindes que serão dados na festa de aniversário do filho Léo (Nego Ney), que está fazendo 12 anos. Trabalhando em um quiosque em uma praia da Zona Sul do Rio, ela juntou dinheiro para conseguir pagar a possibilidade da felicidade do filho. Tudo muda de figura, no entanto, quando seu marido Dudu (Jonathan Haagensen), que sofre com problemas de dívidas dentro da favela, rouba parte do dinheiro que ela tem.
A trama base de A Festa de Léo parece dar tom a um filme extremamente dramático, sobre a conexão e problemas entre um pai, o filho e a mãe precisando ser um pouco de tudo. Entretanto, a direção de Luciana Bezerra e Gustavo Melo conseguem constituir um olhar quase tragicômico para toda a situação, buscando alguns momentos de conforto e comédia em meio ao desconforto. Isso vai desde de a relação amorosa de Léo com uma menina da escola, até mesmo de Rita e algumas amigas precisando realizar coisas cotidianas. Contudo, o elemento mais pesado de toda a narrativa é o fato de que a mãe precisará passar todo o dia para pagar a dívida que Dudu tem com o tráfico.
Dessa forma, a encenação passa por uma grande caminhada eterna da protagonista atrás de dinheiro. Se Martin Scorsese faz em Depois de Horas um grande caminho vazio por seu protagonista de classe média pelas ruas de uma cidade confusa, aqui Rita é uma mulher pobre andando por meio de vielas em busca de alguma coisa. As câmeras abertas, sempre trazendo uma luz a sua frente ou o horizonte, buscam uma grande metáfora visual sobre alguma esperança que essa personagem precisa ter, especialmente por conta da filho. São nesses momentos, e nas confusões e loucuras que cada nova rua demonstra, que o filme consegue se sair melhor no conceito dessa multiplicidade do ambiente.
Não a toa, A Festa de Léo reforça tanto elementos dentro da favela que possuem um objetivo claro de desmistificar, e também abrir para novas possibilidades esse mesmo espaço. Caso do jogo de futebol entre Vidigal e Rocinha, até mesmo uma das jovens da comunidade que aparece em uma ponta na TV, chegando em um jovem que trabalha na mesma barraca da protagonista e quer fazer uma obra em uma laje.
Se toda essa diversificação da própria narrativa e dos dramas presentes ali soam como um elemento fundamental, o mesmo não pode ser dito para a relação dramática de Dudu, Rita e Léo. Apesar de ser o elemento central dos acontecimentos, o mesmo é quase sempre usado para catapultuar alguma outra situação, e nunca sobre si mesmo. De certa forma, parece uma maneira do próprrio filme fugir dos debates mais complexos que precisaria ter. Não a toa, a cena final, precedida de um momento extremamente catártico da matriarca, novamente retorna para um respiro, para a alegria.
Luciana Bezerra e Gustavo Melo até consolidam um longa complexo sobre as possibilidades dentro da favela. Busca dar espaço para as vozes femininas e também aos trabalhadores que estão ali querendo apenas o melhor para a família e sobreviver. Da mesma forma, para os jovens que, no fim das contas, buscam mais se divertir. Contudo, a obra tem na própria essência um embate mais duro e complexo, que nunca é encarado diretamente, Não a toa, toda essa discussão é resolvida de forma simplista e renegada próximo ao final. Apesar da encenação mostrar, de forma extremamente honesta, que a vida não é complexa, a mesma parece responder em A Festa de Léo que é sim.
Essa crítica faz parte da cobertura do Senta Aí do Festival do Rio 2023