Crítica – A Jaula

O Brasil é um país violento e desigual. Muitos daqueles que se consideram “cidadãos de bem” estão, na verdade, extremamente distantes de qualquer tipo de bondade. São grandes as chances de você que está lendo esse texto concordar com essas afirmações, e soltar internamente um “mas isso é obvio!”, e eu teria que concordar, mas acho importante fazer essas afirmações porque é desse óbvio que A Jaula sustenta sua narrativa.

E até aí, tudo bem, não é mesmo? Nada contra obviedade em filmes, o problema é quando não se trata o óbvio como tal, e sim como uma afirmação extremamente pertinente  e “atual” e achar que isso basta, exatamente o que o longa dirigido por João Wainer faz, ao realizar acenos políticos bem óbvios para confortar parte da audiência.

A Jaula é o remake brasileiro do filme argentino 4×4, e conta a história de um ladrão de carros, Djalma (Chay Suede) que acaba caindo em uma armadilha orquestrada por um “cidadão de bem”. Ao invadir um carro e roubar o rádio, Djalma descobre que não consegue sair do veículo, golpes no vidro tem pouco efeito e seus gritos não alcançam o mundo exterior e os vidros são espelhados, logo ninguém consegue ver o interior do veículo. Desesperado e confuso, sua situação logo é explicada por meio de uma ligação, a de um médico ginecologista (Alexandre Nero), cansado de ser assaltado diversas vezes, decidiu agir por conta própria e se vingar do próximo bandido que tentasse fazer algo assim, e preparou seu carro para torná-lo numa caixa impossível de sair, onde Djalma agora se encontra, sem água e sem comida.

É uma situação feita para repensar os papéis tradicionais na violência urbana. Se o espectador não perceber isso por conta própria, não há motivos para preocupação, já que esse aspecto será exposto aos quatro cantos a partir de certo momento da projeção.

Mas inicialmente, A Jaula é o show de um homem só, com esporádica participação por voz de Nero. Chay Suede aqui se entrega ao over acting, esperneando, chorando e babando, não dissimilar a um ator americano tentando desesperadamente ganhar um Oscar. Fora isso, não há muito mais para ele fazer a não ser conversar com o médico pelo telefone.

Numa história com cenário tão básico, faria bem ao andamento da história explorar a fundo as disparidades e personalidades entre os dois homens, porém não é isso que acontece, com os diálogos largamente consistindo em Djalma pedindo água, comida ou para falar com a família dele, enquanto o médico proclama todo clichê reacionário possível e imaginável – certo momento ele exige ser chamado de “doutor” – elenca as vezes que foi assaltado, ou monologa sobre como o Brasil está cada dia pior.

Não ajuda que a pouca exploração do ambiente do carro, onde não se cria possibilidades de tensão real ali dentro. O máximo que acontece é o ar ficar frio demais ou quente demais, ou algum evento externo perturba a “paz” de Djalma, como um casal transando ou uma tentativa de roubo do carro. Aliás, um dos poucos pontos positivos a serem observados no longa é a escalação de Suede, cuja imagem foge do estereótipo de “bandido”, só que mesmo assim, o longa não se furta de colocar a imagem de um homem negro sendo espancado e seu rosto ferido em close, como tentativa de invocar “seriedade” sobre o que fala.

E talvez esse seja o grande problema de A Jaula: se levar a sério. O comentário social é raso demais para surtir qualquer efeito, e a caricatura beira o absurdo em certos momentos, como uma jornalista realizando uma enquete se Djalma deve ser morto ou não. Temos mais um caso de filme que, por acreditar trazer temas “importantes” em sua história, isso já basta. Não é, nem nunca será o caso.

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