Crítica – Decision To Leave

Amar é verbo. Falar “eu te amo” é fácil, mas a prática do amor, a decisão de fazer algo por quem ama? Nem tanto, pois é uma atitude que requer um desprendimento de si, algo complicado de se fazer. Pode parecer estranho falar sobre esse sentimento ao comentar sobre Decision to Leave, um filme que, na superfície, se apresenta mais como um thriller de detetive do que um romance, mas, ao longo desse texto, espero esclarecer a questão.

No filme, acompanhamos o detetive Hae-joon (Park Hae-il), um policial bem-sucedido e com um casamento, aparentemente, feliz, mesmo que um tanto calculado em demasia. Após fazer sexo, sua esposa cita os benefícios médicos de tal ato, declarando que o ideal seria transar pelo menos uma vez por semana. Uma investigação desloca o protagonista da sua normalidade. Um homem rico é encontrado morto após um suposto acidente de alpinismo, e o personagem se depara com a viúva Seo-rae (Tang Wei), uma óbvia suspeita.

Entretanto, Hae-joon logo se vê fascinado por essa mulher, e os dois iniciam uma estranha relação. A possibilidade dela ser uma assassina paira entre os dois, mas isso não ganha tanto destaque, pelo menos inicialmente. O diretor Park Chan-wook, de Oldboy, tem outras coisas em mente.

O relacionamento do par é construído por meio de rimas, raccords e conexões através do espaço-tempo. É normal ter cenas em que Hae-joon fantasia estar do lado de Seo-rae, e o diretor o transporta para o lado dela, ou então, por meio da montagem, faz com que os dois se encarem, mesmo que estejam em lugares completamente diferentes, ou outras onde eles executam movimentos iguais, em situações diferentes. Os cenários costumam refletir também certos aspectos dos personagens. A casa que o detetive ocupa com a sua esposa parece o oprimir por vezes, ou é simplesmente sem graça, com suas paredes de cores brancas, enquanto na casa que ele fica com Seo-rae, os espaços são abertos, as paredes de um azul aconchegante.

A estrutura de Decision to Leave é recheada de elipses, então não se trata de um romance construído lentamente, mas sim de algo um pouco mais arrebatador. Chan-wook confia na força dos gestos, especialmente do olhar, para estabelecer essa conexão entre os dois. O uso de quadros dentro do quadro reforça a proximidade dos dois, sempre os colocando em foco. 

Mas o diretor não esquece que essa relação tem como pontapé uma inerente desconfiança e, em algumas sequências, o cineasta reconfigura as posições, trocando a estabilidade por uma mudança constante no modo de ver essas pessoas. O constante uso de telas e do celular para comunicação, também deixa claro uma distância que, talvez, não possa ser preenchida devidamente.

Discutir outros elementos que tornam Decision to Leave tão envolvente seria entrar no campo dos spoilers, algo que normalmente não é problema para mim, mas é uma obra que merece um primeiro contato virgem. O amor entre Hae-joon e Seo-rae certamente tem seus problemas, especialmente a partir do segundo ato, quando as coisas se complicam ainda mais, mas o sentimento segue, com cada um tomando decisões que o fortalecem até o fim.

Esse texto faz parte da nossa cobertura do Festival do Rio 2022

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