Crítica – Broker: Uma Nova Chance

O que faz uma família ser o que é? Seria puramente os laços de sangue ou algo a mais? Em Assunto de Família, Hirokazu Kore-eda se indagava sobre esse assunto, a partir da família de furtadores, foco da narrativa. A contravenção não era só uma maneira de viver, mas também algo que ligava todas aquelas pessoas, formando elos carinhosos entre um roubo e outro, e até mesmo sendo a base daquela união.

Em Broker – Uma Nova Chance, o tema retorna, só que agora em outro país. O longa representa o debute coreano do diretor japonês. A história do filme acompanha a dupla Dong soo (Gang Dong Won) e Sang Hyun (Song Kang-ho). O primeiro trabalha como voluntário em uma baby box, sistema coreano onde bebês podem ser colocados para adoção sem que a mãe precise se identificar, e o segundo é o dono de uma lavanderia que está se afundando em dívidas. Os dois possuem o seguinte esquema: eventualmente, Dong soo extravia algum bebê colocado na caixa, e a criança é vendida em um mercado paralelo de adoção.

Não preciso dizer que tráfico de crianças é um tema espinhoso, uma das quais oferecer uma roupagem mais leve pode soar um absurdo, mas Kore-eda conquista isso, estabelecendo logo de ínicio a preocupação que os dois tem pela criança a ser vendida, é normal ter cenas com Sang Hyun realizando seus afazeres com o bebê a tiracolo, cantando para ele e afins. Ao encontrar possíveis compradores, há um cuidado em tentar garantir que eles sejam pessoas boas.

Muito do atrativo de Broker existe nessa contradição entre carinho e o ato frio da venda. A primeira cena que alguns “clientes” aparecem, envolve eles olhando o bebê como um objeto: “As sombrancelhas dele não são como da foto”, enquanto pechincham um preço mais baixo. E em alguns momentos esse aspecto entra em choque no mesmo personagem, como Sang Hyun, se descrevendo como um mero “corretor” (broker) das crianças, mesmo indo além do seu dever para garantir a segurança do bebê.

Há outros elementos de conflito na história. O primeiro deles é So Young (IU), a mãe que abandonou a criança, mas se arrependeu e acaba envolvida na operação do par, por desejar conhecer os possíveis pais de seu filho. O segundo são as detetives Soo-jin (Bae Doo-na) e Lee (Lee Joo-young), que perseguem Dong Soo e Sang Hyun, tentanto pegar o par no meio de uma transação para prendê-los.

As policiais soam mais como um apêndice em Broker, já que suas cenas parecem existir completamente isoladas do universo geral. Mesmo se tratanto de uma perseguição, é muito mais comum vê-las somente dentro do carro, sem que Kore-eda se preocupe em estabelecer uma relação espacial com o veículo da outra dupla. Somado à isso, há toda uma trama envolvendo um assassinato que parece envolver So Young, mas tratado de modo tão esporádico que atrapalha o desenvolvimento da narrativa.

Isso não impede Broker de ter momentos memoráveis quando se foca naquilo que é o foco dos filmes de Kore-eda: família. São as sequências de confraternização, como Sang Hyun ajudando Hae-jin (Im Seung-soo), uma outra criança que embarca na jornada, a não passar mal na Roda Gigante, ou as interações Dong Soo e So Young, mutuamente descobrindo traumas e construindo uma curiosa relação. A produção, por mais que tenha elementos extras, nunca perde foco do que realmente importa, e é tocante do início ao fim.

Esse texto faz parte da nossa cobertura do Festival do Rio 2022

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