Crítica – A menininha do Hotel Metropol: Minha infância na Rússia comunista

Formas e fómulas. Palavras e frases. Entre o medo e o acerto. Liudmila Petruchévskaia é, sem dúvidas, uma autora que busca diferentes olhares para como construir situações em sua narrativa. Em A menininha do Hotel Metropol: Minha infância na Rússia comunista, ela convida o leitor para um olhar, de certa forma, autobiográfico. Entretanto, não é diretamente uma biografia por si só, com acontecimentos só relacionados a sua vida, mas sim traz como personagem principal a relação dela como criança, o hotel Metropol e a Rússia Comunista. A ideia não é buscar um personagem protagonista, mas personalidades e pensamentos dessa circunstância, algo trabalhado muito mais em livros de romance do que propriamente biografias.

Liudmila tem noção disso, tratando de deixar sua leitura sempre não tão simplista. A sua forma busca uma mistura de descrições detalhadas sobre cada situação, ao mesmo tempo que um olhar psicológico dentro das cenas. Ela, quando menina, parece o tempo todo revisitar o seu passado e o futuro, assim como quando a autora se posta como personagem do momento da escrita, parecendo estar em outro tempo. Essas relações são importantes para uma tridimensionalidade de pensamentos e a mudança dentro do comportamento. Dentro da sua escrita, não parece haver medo de chegar em pontos que podem causar remorso, quando adulta. Quando criança, a visão sempre é levada para uma leveza abstrata.

Nesse contexto, Petruchévskaia põe sua família como um agente do enredo. Eles, sempre muito relacionáveis aos panos de fundo do hotel e da Rússia, parecem quase compreender e não compreender essa menina. A mistura, o debate, é travado a quase todo instante para reverberar em atitudes nunca perenes, porém questionamentos cada vez mais complexos. O sumiço de alguns de seus parentes, por exemplo, causa uma sensação de perda inicialmente, porém acabam sendo tratados quase como normalidade posteriormente. Ao mesmo tempo que a tratativa com seus pais é a mais complexificada ali, principalmente por nunca ter tido um convívio tão próximo com ambos. Ela, em muitos períodos, se vê perdida em um mar de informações e possibilidades, sempre sem ter uma base. Nisso tudo, a vontade de escrever engatinha.

O mais interessante para isso é como a autora não busca esse olhar do desenvolvimento do gosto pela escrita. A paixão pela litetura aparece de forma pungente, especialmente no terço final. Mas, seu desenvolvimento na arte de escrever parece tão natural quanto seu crescimento. Ele não aparece, porque encontra-se devidamente presente na forma como a Liudmila usa para falar sobre sua trajetória. Poderia ter buscado o cinema, o mundo das séries, o teatro, qualquer outra coisa, porém ela resolver colocar em um livro, cheio de palavras e de um desenvolvimento histórico-temporal. A homenagem a literatura fica clara para essa relação, sem precisar ser mais ampliada ao longo da obra.

É complexo entender uma biografia sem ter um conhecimento prévio de um autor. Em A menininha do Hotel Metropol: Minha infância na Rússia comunista isso pode parecer até um empecilho, visto que apenas um trabalho de Liudmila Petruchévskaia foi lançado no Brasil (o livro de contos Era uma vez uma mulher que tentou matar o bebê da vizinha: Histórias e contos de fadas assustadores). Entretanto, isso fica muito mais em um campo do pensamento, porque vemos a artista contando aqui uma história, como tantas outras. A intrigante auto-análise coloca em cheque como alguém como ela se tornou um dos grandes nomes contemporâneos da literatura russa. Nem ela mesmo parece entender, por isso entender aqueles que a criticam e a elogiam. Talvez Lidumila nem seja do seu tempo, mas sim do tempo da literatura. E esse é totalmente atemporal.

Comentários

Cláudio Gabriel

É apaixonado por cinema, séries, música, quadrinhos e qualquer elemento da cultura pop que o faça feliz. Seu maior sonho é ver o Senta Aí sendo reconhecido... e acha que isso está mais próximo do que se espera.

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