Crítica – Blonde

Quando Marilyn Monroe (Ana de Armas) se encontra com Joe DiMaggio (Bobby Cannavale), seu futuro marido, pela primeira vez, ela revela seu desejo de atuar no teatro: “os filmes cortam a gente em pedacinhos”. Mais adiante na trama, após ser agredida por DiMaggio, por ciúmes devido seus papéis no cinema, ela declara que não deseja ser vista como um “pedaço de carne.”

Ironicamente, Blonde trata Monroe exatamente assim, a fatiando como se fosse um pedaço de carne, jamais uma pessoa completa, mas que viveu única e exclusivamente em função de seus traumas. Se Andrew Dominik, diretor e roteirista do projeto, pretendia refletir sobre o lado sombrio de ser uma das maiores estrelas da história do cinema, acabou sendo reflexo, praticando tudo que a narrativa pretende, em tese, criticar.

É importante frisar que Blonde não é uma biografia, mas sim uma versão ficcional da vida da atriz, baseada na obra de mesmo nome escrita por Joyce Carol Oates. O longa acompanha a infância conturbada, sua conquista da fama e a complicada relação que teve com o estrelato.

Há uma boa ideia apresentada em certos pontos do filme, com a protagonista dividindo sua personalidade em duas: Norma Jean, sua versão verdadeira com o nome de nascença, e Marilyn Monroe, a atriz glamourosa que controla suas ações, e que não a representa. Essa dualidade só é verbalizada, pois em nenhum momento Dominik trabalha isso de modo formal no filme, e acaba se perdendo ao longo da história.

Alias, todo o aspecto formal do filme merece um comentário à parte, devido a completa aleatoriedade que parece governar as decisões por trás de cada cena do filme. A proporção da tela muda constantemente, assim como a cor, do colorido ao preto e branco. O propósito? Vai saber, a falta de cor não pode ser para dar a impressão de “passado” para algumas cenas, pois a infância dela começa a cores. Fica impressão de ser simples e pura afetação, que até rende algumas belas imagens, mas um tanto vazias, e parecem pertencer mais a um editorial de revista do que em um filme.

E como fica Marilyn? Dominik parece até ter certo fascínio por ela. É comum que closes na personagem sejam em quadros somente o rosto dela se destaca, com fundo branco e roupa preta para evitar que a atenção saia das expressões faciais de Ana de Armas. Mas o que se expressa mais durante o longa é um puro desejo em torturar essa figura. A cena em que ela afirma não querer ser um pedaço de carne, que cito no ínicio desse texto? Ela está nua, por algum motivo, algo constante ao longo do filme, assim como closes na bunda da personagem. Como criticar uma indústria que objetifica mulheres fazendo a mesma coisa? Isso para não falar dos momentos de mal gosto, puro e simples, como uma extensa sequência de sexo oral, ou os abortos.

Blonde poderia ser o retrato de uma mártir, essa figura com quem tudo de ruim acontece em nome de um ideal. Mas Dominik não tem nada a oferecer se não dor sem propósito, embalada numa estética “bonita” e, por vezes, surreal. Com tantas cenas extremas, a produção parece uma ideia juvenil de um filme maduro, uma tentativa pueril de ser provocativo. No fim, é só grosseiro mesmo.

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