Boy Erased e a mensagem de que vai melhorar

“Vai melhorar”. Essa não é só uma frase que se usa para acalentar os corações desesperados de um amigo que está passando por um problema, mas também o nome de uma campanha de incentivo à estudantes que enfrentavam bullying e homofobia nas escolas na década de 2000. Algo reminiscente da homofobia, dessa vez em uma extensão doméstica, é o tratamento de conversão, método cristão de “cura gay” – fato muito comum mundo afora. Esse ano, dois filmes se aventuraram pelo assunto: A Má Educação de Cameron Postbaseado no livro jovem adulto de Emily M. Danforth, e este, Boy Erased, adaptação da autobiografia homônima escrita por Garrard Conley. 

O longa, escrito e dirigido por Joel Edgerton, conta a história de Jared (Lucas Hedges), um jovem cristão de 18 anos que está prestes a entrar na faculdade. Alguns meses depois, Jared volta para a casa e está diferente. Enquanto sua mãe (Nicole Kidman) parece preocupada, seu pai, que é pastor (Russell Crowe), tem sentimentos diferentes. Quando ele revela aos pais que é, de fato, gay, eles o convencem a participar de um programa de conversão, liderado pelo pastor Victor Sykes (Joel Edgerton). 

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Desde o início, Edgerton estabelece a grande conexão que o protagonista tem com sua família. As interpretações comprometidas e naturais de Kidman e Crowe ajudam a construir personagens reais, mantendo-os longe do maniqueísmo que poderia facilmente ter caído sobre eles. Ainda que suas ações sejam guiadas pela religião, é nítido como são pais que realmente amam e se preocupam com seu filho. Mesmo a mãe tendo mais espaço de tela, todo o núcleo familiar é essencial para o funcionamento da trama e construção do personagem principal.

Desde quando apareceu em Manchester à Beira-mar, Lucas Hedges está sempre presente em filmes de grande destaque. Em um de seus primeiros papéis como protagonista, ele deixa claro o porquê disso. Jared já traz experiências fáceis de se transmitir para a tela, e o peso de ser uma pessoa real torna o personagem ainda mais pesado. Ainda assim, Hedges aguenta o “fardo” com destreza e entrega uma performance cheia de dor, raiva, e no fim, alívio. Coerente com a linearidade que o filme traz.

A direção e a edição se complementam aqui. A história não é contada de maneira linear, alternando sempre entre passado e presente. Em ambos os casos, é possível notar um tom sóbrio e quase frio, alternando entre o uso do espaço e a intimidade que cada momento pede. A trilha sonora de Danny Bensi e Saunder Jurriaans também se destaca, assim como a canção “Revelations”, de Troye Sivan, que também faz uma ponta no filme como um dos jovens em tratamento.

No entanto, é preciso discutir como a homossexualidade em si é tratada pelo longa de maneira confusa. A primeira relação que Jared tem com outro homem é traumática e abusiva. Em uma das lições de Victor Sykes, o estupro, o abuso e as doenças são consequências diretas de quando “escolhe-se ser homossexual.” Tratando-se de uma história real, não há problema nenhum em mostrar uma cena que retrate tal situação. No entanto, até o fim da projeção não vemos Jared ter uma relação saudável com outro homem, pelo menos com a atenção com a qual vimos a primeira. A cena em que o jovem deita de mãos dadas com um pintor parece ser o único momento minimamente positivo que o personagem tem com outro homem de maneira íntima. Ainda assim, é possível acreditar ter sido mais um descuido do que realmente uma intenção, já que o foco do filme não são as experiências e a descoberta do protagonista como homossexual, mas sim a realização de que não há nada de errado em ser um e que a suposta cura não viria nunca.

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Boy Erased: Uma verdade anulada é um longa com uma mensagem positiva, ainda sendo dolorosa. As coisas podem e vão melhorar, ainda que o caminho até lá seja difícil e sinuoso. Mesmo contendo seus problemas de ritmo, a direção precisa e as atuações excelentes do trio principal fazem desta quase-cinebiografia um filme difícil de assistir. Mas no fim das contas, vale a pena.

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