Crítica – All of Us Strangers
Não é um absurdo apontar que boa parte do apelo de All of Us Strangers é a possibilidade de ver dois atores queridinhos da internet dando uns amassos. No caso da produção britânica, se trata de Andrew Scott, o padre de Fleabag, e Paul Mescal, de Normal People. Um atrativo perfeitamente compreensível, que moveu muito do marketing de outro filme recente, Estranha Forma de Vida, com Ethan Hawke e Pedro Pascal.
“Estou engolindo o queerbait”, disse um amigo que foi comigo à sessão e, felizmente, não se tratou de uma mera isca, e para quem busca esses prazeres mais sensuais, a narrativa conduzida por Andrew Haigh irá agradar, mas de modo temporário, pois, infelizmente, há todo um filme entre uma sessão de pegação e outra, que não é lá essas coisas.
All of Us Strangers é baseado no romance The Strangers, de Taichi Yamada, que também inspirou outro filme, conduzido por Nobuhiko Obayashi, The Discarnates. Não li o livro nem vi o filme de Obayashi, então não é justo compará-los com a adaptação mais recente, mas as mudanças na sinopse chamam atenção. As três versões possuem o mesmo cerne: um roteirista, desiludido com a vida, se depara com os fantasmas de seus pais, que faleceram em um acidente quando ele tinha 12 anos.
As versões japonesas fazem alusão a outros eventos da vida do protagonista que o deixaram nessa posição melancólica, como um filho renegado, mas a adaptação de Haigh reduz um pouco este mundo. Scott aqui é Adam, um solitário roteirista morador de um prédio recém-erguido próximo de Londres. Ele passa boa parte do seu dia sozinho, escrevendo e bebendo, sem vizinhos para o incomodar. É um mundo sem outras pessoas, por boa parte da abertura do filme a única figura em cena é Adam, e Londres é sempre algo distante, visto pela janela. A solidão e isolamento são constantes.
As coisas mudam um pouco de figura com a chegada de Harry (Mescal), o único outro morador do prédio, ávido por companhia. Apesar de uma rejeição inicial, os dois engatam um relacionamento. Paralelamente a isso, Adam tem feito visitas constantes a um casal, interpretado por Jamie Bell e Claire Foy, que logo se revelam ser, sem muita cerimônia, pais de Adam, congelados no tempo, como eles eram quando o personagem tinha 12 anos.
Há certa graça nessa interação com os pais, que funciona quase como um transporte para a década de 80. Adam consegue a chance de “sair do armário” para os pais, gerando momento desconfortáveis, como a mãe perguntando sobre AIDS, e antigas lições de masculinidade do pai. A sua maneira, All of Us Strangers é um filme de fantasmas, com o passado assombrando o presente de diversas formas. Além da figura dos pais, músicas antigas fazem parte da trilha, e o roteiro de Adam, do qual é possível ver pequenos vislumbres, aponta para uma história que se passa no ano de 1987.
Mas Haigh não consegue elevar esse material para além de ideias e momentos interessantes, e a narrativa logo se torna monótona. Há um aspecto mecânico, fixo, na estrutura do filme, que torna tudo muito previsível em suas reflexões e conclusões. As seções com Harry oferecem uma bem-vinda mudança, flertando com um terror existencial e, é claro, romance, mas tudo fica na superfície, um pecado para um filme cujo destino é óbvio.
Óbvio em termos, pois há uma virada ao final que só reforça o vazio de ideias no filme. O plot twist desnuda a narrativa, e a revelação é mais para audiência do que para o protagonista: Haigh só tinha uma coisa a oferecer o tempo todo. A conclusão concretiza ainda mais a questão da solidão, mas só fez questão de repetir tudo que veio antes.
Essa crítica faz parte da cobertura do Senta Aí do Festival do Rio 2023