Crítica – Alvorada

O golpe que levou à derrubada da presidente Dilma Rousseff representa um grande trauma político, especialmente para as forças progressistas brasileiras. Assim, é natural que o evento seja foco de escrutínio tanto no sentido acadêmico, quanto no artístico. Em 2018, chegou aos cinemas O Processo, de Maria Ramos, que acompanhou todo o processo político do processo, sem intervenções diretas, e no ano seguinte, Democracia em Vertigem, que costurava uma história familiar com o cenário do país. Agora, temos também Alvorada, dirigido por Anna Muylaert e Lô Politi, acompanhando os bastidores do palácio título enquanto Dilma se prepara para a votação no Senado sobre seu impeachment.

Se o filme de Maria Ramos apostava em uma abordagem mais “seca”, sendo um fascinante compilado de eventos que levaram ao golpe, e o longa de Petra Costa possuía tons mais poéticos, Alvorada se destaca por uma proposta mais informal, sem a pompa e circunstância que geralmente se encontra na política. Emblemático disso é o tratamento que se dá à figura de Lula, tão importante e magnética, mas aqui é pouco mais do que uma figura de fundo, suas aparições podendo ser contadas nos dedos de uma mão, sem falas expressivas.

Não é um longa que visa os “grandes momentos”, ou, na falta de uma palavra melhor, do “brilho” da situação, acompanhamos Dilma de modo bem casual, não só em reuniões de preparo, mas também jogando conversa fora, discutindo sobre literatura e afins, são poucos os momentos oficiais retratados aqui, e quando o são, ainda impera a informalidade, um distanciamento. Uma coletiva de imprensa é filmada pelos bastidores, com foco mais nas faces dos membros da equipe da ex-presidente, a sessão do Senado, a culminação narrativa do documentário só é vista por meio de televisões espalhadas pelo planalto.

Alvorada compartilha com O Processo a postura de não intervenção nos eventos que transcorrem diante da câmera, contendo somente um único momento que Dilma fala diretamente com a câmera. Essa presença mais sutil se estende aos equipamentos do filme, que são mínimos, não dá pra deixar de notar que a captura de áudio sofreu consideravelmente na gravação, com legendas aparecendo aqui e ali para garantir a compreensão do que está sendo dito.

Ao lado dessa dimensão política do filme, existem também os aspectos mais cotidianos do Palácio do Planalto, como a sua manutenção, no início do longa vemos, por exemplo, que a piscina do local está com problemas. “Era para ser azul, mas a água está verde claro” informa um funcionário. As idas e vindas da cozinha, o corte da grama, tudo isso é visto em paralelo com a equipe de Dilma se preparando para o futuro.

Esses dois lados da narrativa podem até soar desconectados, mas no fim de tudo, dialogam. Enquanto funcionários mais próximos da presidência reagem com certa tristeza aos eventos do Senado, os “peões” do Planalto muito mal olham para a televisão. A estrutura do Alvorada existe de forma quase independente, presidentes vêm e vão, mas o Alvorada precisará ser mantido de qualquer forma. Após Dilma partir, uma das últimas imagens que vemos do lugar é de um pássaro invadindo o local, e um funcionário precisando espantar o animal. Alvorada fornece um olhar muito singelo tanto para a ex-presidente, aqui humanizada em uma dimensão que escapava os longas anteriores sobre o mesmo tema, quanto para o local do título em si, que adquire quase que vida própria também. O centro do poder não contém só políticos, mas também pessoas que mantém todo aquele local pronto para as câmeras.

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