Crítica – Clube dos Canibais

O início de Clube dos Canibais gera um contraste bem grande com a cena final. Se, nessa primeira sequência, o limpo e azul do mar ganham a tela, os últimos momentos são reveladores para trazer toda a brutalidade da narrativa. Para contar esse terror sobre disputa de classes, temos o habitat natural do casal Otavio (Tavinho Teixeira) e Gilda (Ana Luiza Rios). Em sua casa, eles contratam homens de classe pobre em busca de se alimentarem de suas carnes. Otavio faz parte de um clube de canibalistas, composto por membros abastados da sociedade. Essas figuras mortas por eles, vão a refeição nesse lugar.

É interessante como o diretor e roteirista Guto Parente tem um traçado bem claro para o seu enredo. O terror é usado de uma maneira bem através do gore e em certos níveis de tensão – especialmente em um dos instantes finais. Contudo, sua verdadeira face para essa história é a mistura dramática com a comédia, principalmente nesse segundo quesito. Ele tenta fazer e trazer a piada para qualquer elemento na qual fuja de um comum. A conversa entre eles na mesa de jantar para comer carnes humanas traz um ideal totalmente exagerado, de domínio social. Inclusive, em um outro período, eles se colocam em uma posição de extrema superioridade, trazendo mesmo as palavras para a boca (“eu gosto dos lugares de primeiro mundo, não igual ao Brasil. Não tem pobre”).

Ao mesmo tempo que há uma tentativa bem quista de crítica a uma elite ‘carnívora’ perante as classes baixas, por outro falta uma sutileza para isso. Parente transforma todos os personagens em gigantescas caricaturas, como se todos estivessem necessitando demonstrar isso. Os seus próprios aliados, na teoria, saberiam desse pensamento, então qual a necessidade de reforçar isso a todo instante? Em alguns minutos, parecemos estar diante de uma peça bem mais voltada a querer ser uma defesa política do que propriamente em busca de contar um filme.

Esse ideal existe bem quando a trama parte para um horror mais visceral, destacado na sequência do fim. A aparição dessas figuras, sempre excluídas socialmente, são colocadas como corpos de disputa de poder. Seu destaque para os momentos de sexo entre os empregados e Gilda, coloca os corpos como uma máquina de desejo. Obviamente, mais diretamente sendo sexual pela situação na qual estão, todavia também está relacionada a um prazer pelos canibais de comer as carnes. É um prazer meio dúbio, transmutando aquelas relações carnais em meras maneiras de gerar algo destruidor de relações.

Outro grande tratamento dado ao enredo são os elementos estéticos de construção atmosférica. A trilha de Fernando Catatau e a fotografia de Lucas Barbi funcionam bem nisso, sempre gerando enquadramentos para transmitir uma situação bizarra e, ao mesmo tempo, gerar uma climatização. O uso de músicas com letras também ajuda nisso, para transformar esse contexto em quase realista mesmo, como se estivéssemos vendo um mundo se destruindo aos poucos. Esse mundo, ao mesmo tempo, busca apenas se autodeglutir.

Clube dos Canibais tem um conceito bem intrigante e sabe bem desenvolver toda a camada social presente nele. Contudo, ao não tentar suavizar sua crítica e expô-la de um jeito tão direto. Se há uma tentativa de trabalhar isso como um não amansamento e, do mesmo modo, para trazer a comédia, também pouco serve a uma narrativa construída pelos detalhes. Ao fim, a obra também carece de mais tempo para trabalhar melhor alguns temas na qual abre sem saber muito bem como finalizá-los. A intenção parece mais ser a explosão pela explosão, carecendo de um aprofundamento nessas questões. O filme, assim, parece mais um tratado de uma ideia. Falta, no entanto, essa ser melhor representada.

Comentários

Cláudio Gabriel

É apaixonado por cinema, séries, música, quadrinhos e qualquer elemento da cultura pop que o faça feliz. Seu maior sonho é ver o Senta Aí sendo reconhecido... e acha que isso está mais próximo do que se espera.

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