Crítica – Contato Visceral
O horror está mais naquilo que não pode – ou não deve – ser visto do que em, de fato, ter uma visão clara daquilo que assombra e ataca. A implicação de algo estar onde não deveria pode ser muito mais poderosa do que a percepção direta. Ridley Scott, ao falar de Alien, comenta sobre a importância de não expor muito a criatura, para que a platéia nunca se acostume com ela, mantendo o desconforto. Hitchcock buscava a mesma coisa, especialmente com a ideia de recompensa do suspense. Contato Visceral é norteado por esta lição, mesmo que frustre seus espectadores.
No filme, dirigido por Babak Anvari (Sob à Sombra), conta a história de Will (Armie Hammer), um bartender que leva uma vida simples ao lado de sua namorada, a acadêmica Carrie (Dakota Johnson), enquanto busca algo mais com uma cliente regular do bar, Alicia (Zazie Beets). Após apartar uma violenta briga no estabelecimento, ele encontra um celular, deixado por um grupo de adolescentes, e decide levar para casa no caso dos donos retornarem. Entretanto, isso se mostra um grande erro. Ao conseguir ter acesso aos conteúdos estranhos do aparelho, Will passa a ter contato com forças que não compreende.
Já nos primeiros momentos, o longa consegue colocar de modo muito eficaz o horror insidioso na qual, pouco a pouco, penetra na narrativa. Dessa forma, é apresentado na periferia dos quadros, coisas que, a princípio, são meramente estranhas, como uma mulher nua jogando sinuca. Conforme a trama progride, essas situações se tornam cada vez mais perversas, mas quase nunca são o destaque da cena. É possível até serem vistas coisas ignoradas até mesmo pelo protagonista, como pessoas que o perseguem. Além disso, a forma do filme é infectada, e, por vezes, entre um corte e outro, vemos brevemente coisas inominavéis.
Sabemos mais que o personagem principal, mas não muito mais, somente o bastante para entendermos que ele se tornou vítima de algo maior. É quase uma indução meio esquisita. Essa visão privilegiada nos torna ainda mais temerosos do que está por vir, já que os personagens não percebem as mudanças no qual ocorrem em seu entorno, mas nós mesmos não compreendemos o que de fato acontece. Como em um pesadelo, cada novo acontecimento se torna intangível, instavel. Em uma cena, Carrie parece ter sido acometida por algo terrível, para na cena seguinte, agir como se nada tivesse acontecido.
Essa distância que a obra coloca entre e si e o espectador pode ser enervante. Há poucos elementos da narrativa que se apresentam como concretos, definidores de alguma coisa. A figura completa nunca nos pertencerá. Pode não ser a experiência mais satisfatória, entretanto, em tempos em que os filmes estão interessados em oferecer tudo de bandeja para o espectador, é fascinante um trabalho que deixa os espectadores sem ponto de referência, deixando que a imaginação faça seu trabalho.
Ao compreender que nada pode ser mais aterrorizante do que aquilo que se monta na cabeça de cada um, Contato Visceral não se preocupa com grandes sustos, mas sim com o desconforto. Pode ser possível acusar o filme de Anvari de “raso” ou coisas similares, porém o longa apresenta uma narrativa singular e memorável, mesmo que um tanto fugaz. No balanço de tudo, é uma realização deveras positiva, ainda mais pensando no formato e local na qual foi posto para o mundo.