Crítica – Cyrano
Na sua sequência inicial, Cyrano começa com Roxanne (Haley Bennett) em uma longa preparação para se encontrar com o Duque De Guiche (Ben Mendelsohn) para ir até uma peça. Diferente das produções tradicionais de época, em que há um certo patriarcado embutido nesse contexto, a personagem não se sente super feliz por encontrar uma figura com quem pode casar. Longe disso, ela está mais interessada na possibilidade de ver a peça para qual não ter condições de pagar. Essa situação de uma certa pobreza se solifica pela dificuldade em encontrar um sapato e até mesmo, ao sair da casa, em ser cobrada pelo aluguel atrasado.
É dentro desse ambiente da peça teatral que conhecemos os outros dois personagens chave para o desenvolvimento da história: Christian (Kelvin Harrison Jr.), um novato negro da guarda da cidade que se apaixona a primeira vista por Roxanne, e Cyrano (Peter Dinklage), antigo amigo dela com quem desenvolve uma paixão muito antiga, mas que sempre teve medo de falar por conta da sua condição física de ser um anão. Com esses pequenos detalhes, já é possível perceber como o filme vai atrás da temática da diversidade para trazer um triângulo amoroso. É nesse contexto que a nova produção de Joe Wright retoma com o melodrama romântico.
Ganhando destaque nos anos de 1950 no cinema americano, especialmente com o cineasta Douglas Sirk, o drama romântico parece ter saído um pouco de moda. Mas Cyrano é um filme que abraça essa certa “breguice” narrativa para o desenvolvimento dos personagens. Através de uma formulação que vai brincar com o imaginativo, o longa abraça esse elemento especialmente nas cartas trocadas entre Christian e Roxanne, antes de realmente se encontrarem pessoalmente. Para transformar a história (que é bem antiga, baseada em uma peça de 1898) em um melodrama ainda maior, vemos que, na realidade, é Cyrano que escreve todo esse amor para sua amada distante.
Mas Wright pouco parece preocupado com alguma forma a ser seguida dentro da encenação. Por isso mesmo, ele perpassa todos os pequenos tracejos dos personagens principais, junto com uma trama musical. Talvez o momento mais interessante e representativo disso tudo, seja o uso da sobreposição com uma música em um instante que mostra o personagem título escrevendo a carta, a leitura de Roxanne e a leitura da devolutiva por Christian. Ele gera uma conexão interna nessa cena, capaz de trazer esse elemento do impossível onipresente em seus protagonistas.
Além disso, a mise en scène também traz um elemento bem diretamente teatral. Se poderia soar ainda mais estranho e sem uma correlação tão direta, parece ser bem o que o diretor está atrás. O exagero, o absurdo e até mesmo as possibilidades de vida desses seres diversos em um mundo totalmente padronizado (o fato do Duque andar pintado de branco em quase todas as cenas representa bem isso) geram uma relação muito clara por esse universo ser capaz de absorver qualquer coisa. Dentro disso, é como se a narrativa estivesse brincando sobre a verdadeira possibilidade de existência dessa sociedade. Será que está apenas em uma peça, em um filme? Quase impossível de verdadeiramente saber.
Com essas questões, Cyrano se apresenta como um longa capaz de trazer de volta todo romantismo e melodrama presente dentro do cinema americano por muito tempo. É como se ele fosse capaz de observar esses elementos com um carinho tão profundo, capaz de ser abraçá-los sem nenhum racionalismo. É justamente isso que transforma a produção em algo que mistura o singelo e o belo. Em um momento que cada vez mais o cinema parece interessado em um realismo profundo e no desenvolvimento totalmente perfeito nas histórias de romance, Cyrano se mostra um respiro das possibilidades diversas narrativas dentro do melodrama.
Esse texto faz parte da nossa cobertura do Festival do Rio 2021