Crítica – Duplo Eu (HQ)

A auto aceitação é algo complexo. Entender-se no corpo aonde está foi uma das maiores dificuldades da vida da escritora Navie. Ela, na qual engordou durante sua vida, nunca entendia porque tinha diversos ressentimentos. Desde o sexo até simplesmente a reação das pessoas na rua. Assim, quando uma médica fala com ela, a personagem percebe que existe um duplo dentro de si. Esse duplo, não necessariamente bom ou ruim, mas que induz a diversos pensamentos complicados. Aprender a lidar com os próprios duplos leva a uma busca por tentar uma aceitação própria.

Desse jeito é que começamos a ver a HQ Duplo Eu, autobiográfica da vida de Navie. Essa, trabalhando como roteirista, coloca os diversos elementos complexos de sua existência para percepção dos leitores. É uma espécie de desabafo em um trabalho artístico, pautado na relação da autora com seu próprio corpo. A corporalidade, aliás, algo não tanto trabalhos em quadrinhos pela forma narrativa, assume um papel chave nesse feito. Um exemplo bem claro disso é em como ela realiza o momento da protagonista buscar fazer atividades físicas diariamente. Toda a conexão de corpos ali gera um trabalho bem único de uma questão filosófica maior. Ela precisa se repetir tanto a ponto de chegar em um nível de repetir isso todo o tempo.

O trabalho dessa repetição é aonde mora o grande diferencial dessa obra. A apresentação da desenhista Audrey Lainé direciona ainda mais esses elementos. A ideia de uma dupla relação própria gera apenas mais questionamentos a se travar dentro da HQ, feitos sempre em base de uma insistência de Navie – agora personagem – consigo mesma. Todos a sua volta podem parecer estar conspirando perante a ela, como na sequência dos amigos, porém tudo pode significar também apenas uma busca por entendimento. A sua confiança psicológica fica tão abalada a ponto dela apenas conseguir sentir uma maior felicidade quando sabe que terá de fazer lipoaspiração.

Nesse quesito, Lainé coloca bem demais uma pressão inerente criada por todos os lados. Em diversos quadros, por exemplo, vemos toda a dimensão das páginas muito maior que ela, ou então diversas frases a pressionando em um determinado canto, canalizando essas opressões sociais. Inclusive por médicos ela se sente dessa maneira, ao ser sempre taxada na necessidade de emagrecer po simplesmente uma questão física. Enquanto isso, todo o seu lado psicológico parece cada vez mais fragmentado. Essa pouco entender aonde quer chegar e porque sofre tanto.

Apesar de se propor a ser um debate sobre o lado estético dos corpos, é um pouco complexo como o quadrinho pouco debate isso especificamente. Vemos um desenvolvimento de personagem até deveras interessante, devido as diversas faces de Navie. Ela pode estar feliz e, no momento seguinte, triste, simplesmente por ser gorda – por sinal, a cena na qual a relação da palavra gorda é discutida é um dos grandes pontos aqui. Todavia, apesar de trabalhar isso mais inicialmente, falta uma relação maior de explorar como a personagem observa essa construção do mundo. Há, em suas ideias, metade preocupada com a saúde e a outra metade assumindo a pressão da sociedade. O caminho do meio para isso parece pouco querer ser assumido.

Um dos temas de maior debate na vida contemporânea, a gordofobia entre em foco nessa HQ. Duplo Eu mostra como é complexo lidar com os próprios demônios quando a sociedade pressiona a não realizar isso e, simplesmente, seguir o que seria ditado pelo meio social. O fato de estarmos tratando de uma obra sobre uma pessoa real ainda deixa toda essa conexão mais complexa e geradora de reflexões. Impossível não pensar com as relações pessoais com nossos corpos. A autora usa esse trabalho como um desabafo, apesar de estar expressando um sentimento de desabafo de diversas pessoas pelo mundo.

Comentários

Cláudio Gabriel

É apaixonado por cinema, séries, música, quadrinhos e qualquer elemento da cultura pop que o faça feliz. Seu maior sonho é ver o Senta Aí sendo reconhecido... e acha que isso está mais próximo do que se espera.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *