Crítica – Aftersun

Quem são nossos pais? Essas pessoas tão próximas de nós, nosso primeiro contato com o mundo, mas cujas dimensões nem sempre poderemos compreender totalmente. Estar nessa posição requer transformação, só que o passado ainda existe, algo que nem sempre é válido mostrar para os filhos.

Aftersun é um retrato da relação entre Sophie (Frankie Corlo) e Callum (Paul Mescal), filha e pai que vão passar um tempo juntos na Turquia, durante o aniversário de ambos. Ele é frequentemente confundido como irmão da menina, um pai jovem, e a dinâmica entre eles acompanha essa ideia por boa parte do tempo, cheia de brincadeiras, piadinhas infames. Callum realmente age mais como irmão mais velho, pois raramente exerce autoridade sobre ela, seus pedidos funcionam mais como sugestões do que ordens. Apesar de o foco ser na dupla, cada um também passa por sua pequena jornada, especialmente a menina, que começa a ter contato com o mundo dos adolescentes na viagem, observando um universo que será próximo a ela, mas não ainda. É curioso que, mesmo a narrativa se passando na Turquia, boa parte dos personagens sejam os ingleses que estão hospedados no hotel. Já a vida de Callum fica mais nas entrelinhas, com certas atitudes evidenciando uma sombra ainda não conquistada. A diretora Charlotte Wells dá a Aftersun uma textura de memória. O filme abre com uma gravação da jovem Sophie querendo entrevistar o pai, usando uma câmera de vídeo. Mais tarde, descobrimos ser a Sophie adulta que assiste essas imagens, que andam lado a lado com cenas mais “tradicionais”, mas ainda carregam aspecto de lembrança: fragmentadas, sem um início e fim concreto, como um jogo de sinuca sem conclusão. Importante para essas cenas são os aspectos de intimidade que são construídas. Não só pela relação dos personagens em si, também pelo modo como esta é representada na tela. Wells opta por um filme bem próximo do rosto e dos corpos dos personagens, aprofundando essa noção de ligação entre eles, não só entre pai e filha, mas com outras pessoas também. Para sinalizar um interesse romântico da menina por outro hóspede, a diretora os aproxima a cada cena, não se tocando realmente, mas sim, na imagem. Esses momentos dão peso para as situações opostas, como a sequência onde Sophie, após ser convencida a jogar polo aquático com o pai, fica completamente perdida no jogo. O plano se abre, a menina não está próxima de ninguém, sozinha entre os homens adultos. Quando Aftersun tenta abordar os conflitos de modo mais direto, ele perde um pouco sua força. Ao longo do filme, só temos vislumbres de certas questões mais complicadas, como o divórcio de Callum com a mãe de Sophie e o difícil passado do mesmo. Quando a narrativa tenta trazer essas questões mais à tona, falta certo estofo dramático, apesar de alguns momentos particularmente eficazes, como a sobreposição de Callum chorando após uma surpresa de aniversário. Dessa maneira, a conclusão do filme não alcança a potência que almeja, porém isso não torna o caminho até lá menor por isso, e Charlotte Wells se prova como uma interessante diretora em seu debute com longas-metragens.

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