Crítica – Ema

O trabalho do cineasta Pablo Larraín nunca lida com seus protagonistas de maneira muito direta. Todos seus arcos são sempre pautados pelo desenvolvimento narrativo e nem tanto por histórias passadas ou um conhecimento prévio mostrado a audiência. Em No é possível ver como o diretor consolida no protagonista interpretado por Gael Garcia Bernal uma sensação heroica. Já em Jackie, a personagem de Natalie Portman aparece como um centralizador para o desenvolvimento da trama. Aliás, é interessante como esse trabalho do artista é quase pensado na visão dos personagens, algo que também é visível em Ema, pelo próprio nome da produção ser o de sua grande protagonista.

No longa, acompanhamos que Ema (Mariana Di Girolamo) e Gastón (Gael García Bernal) adotam um filho chamado Polo. Devido aos problemas de tratamento – e uma possível relação com exposição ao sexo, pelo trabalho de dança de Gastón -, ele é retomado. O relacionamento dos dois, já complexificado pelas visões do mundo, se abalam com as diferenças ideológicas de tratamento da dança e na forma de agir. Assim, o conflito torna-se quase inevitável.

Larraín trata esse embate entre os dois através de uma forma bem básica: a dança. Os movimentos carnais, expressos sempre através dos gestos, formam uma maneira de agir que pode ser considera antiquada, assim como o novo movimento de dança proposto pela mulher – o reggaeton. Nesse sentido, é possível até pensar em um paralelo na forma que Claire Denis explora os movimentos corporais de seus atores, especialmente em Bom Trabalho. Nessa obra, os elementos carnais levam uma complexa relações pela percepção de masculina daquelas figuras. Aqui, vemos um desenvolvimento da forma de mexer o corpo como maneira de se impor para um novo momento da sociedade. É quase uma questão realmente ideológica entre liberais e conservadores, em uma visão clássica americana. Ema externaliza isso quando diz “gosto de ensinar meus alunos a se libertarem”.

O lado corporal adentra em quase todo quesito sexual onipresente na trama. As danças por si só já representam esse aspecto do uso do corpo. A cena em que Ema diz que seu marido “usa [o filho] como desculpa para nossa falta de sexo” já interpela para uma necessidade carnal desses indivíduos. O sexo vai transformando-se em uma figura cada vez mais importante para a narrativa, sempre afim de expor uma liberdade. Liberdade essa que ultrapassa o simples conceito básico, para se tornar um ato verdadeiramente político de uma geração contemporâneo, como em uma sequência que Ema transa com várias pessoas diferentes.

Apesar de saber utilizar concretamente essa abordagem, falta um maior desenvolvimento para o grande arco narrativo do relacionamento de ambos. Tudo parece estar o tempo todo sendo atropelado por uma necessidade do embate maior surgir. Assim, nos grandes períodos dramáticos – destacado na cena do café -, é necessário diálogos bem mais expositivos para um maior enfoque naquela relação, até então totalmente simplória. O menino adotado é outra figura quase sem espaço dentro do longa, possuindo uma importância final que é pouco relacionada ao impacto de gerações até ali apresentado. Desenvolvendo tanto um sentido da importância do corpo, é intrigante como o aspecto familiar parece pouco importar o traço da maternidade. Não há qualquer traço de paternidade em Gastón, assim como em Ema, tornando ambos seres que não demonstram nenhum maior interesse nisso.

Os debates sobre “no meu tempo era tudo melhor” se encaixam perfeitamente na discussão proposta em Ema. A protagonista, com suas variadas roupas e sem estar identificada com a família colocada como padrão, parece fora de uma realidade proposta pelo mundo comum, quase como aquela mostrada em uma bola de fogo ao fundo de sua apresentação de dança. A rua parece pertencer mais a ela do que os espaços vazios, por isso a importância do uso corporal como maneira de se portar. Pablo Larraín parece querer trazer um debate para um mundo cheio de significações, porém sem muitas respostas. De certa maneira, faz sentido, em um embate sobre a contemporaneidade. Todavia, parece faltar elementos profundos quando se percebe o protagonismo do casal para a história.

Comentários

Cláudio Gabriel

É apaixonado por cinema, séries, música, quadrinhos e qualquer elemento da cultura pop que o faça feliz. Seu maior sonho é ver o Senta Aí sendo reconhecido... e acha que isso está mais próximo do que se espera.

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