Crítica – Espiral: O Legado de Jogos Mortais

Quando o primeiro Jogos Mortais foi lançado, lá em 2004 e sob a direção de James Wan, muitos comparam o longa a Se7en – Os Sete Crimes Capitais, de David Fincher. A comparação é, sendo bem caridoso, superficial, se baseando somente a partir da ideia de que os dois são filmes sobre serial killers interessados nos pecados das pessoas. Acaba por aí os pontos de contato, já que o filme de Wan não era assim tão interessado na investigação quanto o longa de Fincher, com o grande destaque sendo as armadilhas, os “jogos” do título, e as reviravoltas ao final, que sustentaram a franquia por oito capítulos.

Neste novo capítulo, intitulado Espiral: O Legado dos Jogos Mortais, a comparação com Se7en pode ter algum sentido, já que a estrutura típica de Jogos Mortais, sempre acompanhando os participantes de uma das armadilhas de Jigsaw e os esforços de alguém do lado de fora, é abandonada completamente em favor de algo procedural. Acompanhamos exclusivamente os esforços do detetive Ezekiel Banks (Chris Rock) e seu parceiro William Schenck (Max Minghella) em encontrar um imitador de Jigsaw, que ao invés de atacar pessoas que considerava não estarem aproveitando a vida, ataca somente policiais que julga serem corruptos em armadilhas extremamente complexas.

A presença de Chris Rock, não só estrelando a produção, mas também sendo o idealizador dessa nova fase, tem sido o grande chamariz desde que Espiral foi anunciado. Isso porque Rock sempre viveu mais para a comédia, e a franquia como um todo nunca contou com grandes nomes em seu elenco, que teve como maior estrela, possivelmente Danny Glover, lá no primeiro filme, e Tobin Bell, o Jigsaw original. Além do comediante, Samuel L. Jackson está no elenco, como o pai de Zeke, chefe de polícia aposentado.

E a presença dos dois acaba perturbando um pouco o andamento de algo cujos atores nunca foram o foco, mas sim as armadilhas e a violência, e percebe-se que há uma preocupação em acomodar parte da personas desse atores. Há uma cena que existe quase exclusivamente para que Rock possa fazer um discurso muito similar ao de suas rotinas de stand up, assim como outro instante que se alonga um pouco demais somente para que Jackson possa fazer o que faz melhor, ser poética e divertidamente violento com alguém. Ainda falando de Rock, vale destacar que ele está péssimo no papel, já que é dotado de duas expressões, a de olhos semicerrados para indicar seriedade, ou arregalados, para o espanto.

Diante de tanta novidade, o que há de Jogos Mortais em Espiral? Duas coisas: a primeira é o diretor Darren Lynn Bousman, velho conhecido desse mundo, tendo dirigido 3 dos oito primeiros filmes. Seu estilo aqui um pouco mais suavizado e muito mais colorido que previamente, sem o tom esverdeado do passado, porém com alguns de seus tiques ainda presentes – como a montagem rápida que sinaliza perturbação dos personagens. Há um ar mais clean, com momentos em que a aura de decrepitude tão familiar à franquia se apresente. A segunda, é claro, são as armadilhas, que não poderiam faltar, e possuem conceitos interessantes. Cada uma está ligada a um crime da vítima, no entanto que são sub aproveitadas, favorecendo mais o choque da violência do que explorar a tensão da possibilidade de fuga, não que seja uma surpresa essa escolha, diante do histórico.

Espiral

É difícil também não deixar de reparar na tentativa de comentário social “relevante”, visto que a trama envolve uma série de policiais corruptos, com Zeke sendo o único policial bom em um departamento corrupto, mas que coloca a retórica de reforma do sistema policial – uma pauta que tem ganhado muita relevância nos Estados Unidos – na boca do novo vilão. Isso revela certa falta de tato, para dizer o mínimo. Talvez não seja a melhor ideia discutir questões importantes em uma saga conhecida pelo seu torture porn e nada mais que isso.

Por fim, Espiral: O Legado dos Jogos Mortais fica no meio do caminho entre tentar ser algo novo sem esquecer do passado. O problema é que esse passado já não era tão interessante pra inicio de conversa havia algum tempo, é o que há de novo não é tão bem conduzido assim. Nem mesmo a reviravolta da vez tem alguma graça, já que quando surpresa é rotina, já se pode imaginar o que esperar.

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