Crítica – Jesus Kid

O gênero do faroeste pode ser trabalhado de várias formas diferentes e complexas. O século XXI mostra bem isso, especialmente no cinema, em que ganha contornos desde o terror (como Rastro de Maldade) até algo mais reflexivo, como um drama (Os Oito Odiados ou The Nightingale). Contudo, se tem uma coisa que o faroeste vira e mexe aparece junto é da metalinguagem. É uma forma de se referir ao próprio gênero, ao mesmo tempo que se aborda em uma relação irônica do passado do presente. Lourenço Mutarelli pensou muito bem isso quando, em 2004, publicou Jesus Kid. A obra ganha agora contornos similares, em um outro momento da cultura pop, na adaptação do livro para o cinema.

As bases para a trama são bem parecidas. Na história, acompanhamos Eugênio (Paulo Miklos), um escritor de faroeste que se vê em meio a um bloqueio criativo. Isso se junta ao fato que suas vendas estão indo bem mal e não recebendo a devida atenção. Ele, reconhecido pela série de livros Jesus Kid, acaba recebendo um convite que parece que ser uma luz para a falta de dinheiro: fazer o roteiro de um filme. Só que, para isso, ele precisa ficar três meses longe de tudo, em um hotel de luxo, em que não pode ter contato com ninguém que conhece. Por lá também, precisa desenvolver uma parte desse trabalho com base nessa experiência.

Aly Muritiba tem sua carreira sempre um tanto quanto confusa, de altos e baixos. Grande parte do seu lado mais elevado está nos curtas, no início de sua produção filmográfica, algo que vai se perdendo ao longo do tempo pelos longa metragem. O que parecia mais faltar ao cineasta era uma certa identidade, a busca por algo que completasse e fizesse sentido na sua obra. Com Jesus Kid, parece que ele finalmente consegue alcançar esse patamar e consolidar uma narrativa que tenha um DNA do diretor.

Muritiba se usa bastante da relação do faroeste com a comédia e com a construção dessa metalinguagem que vai se reinventando a cada momento. E isso acontece justamente porque vemos o personagem célebre de Eugênio ganhar vida, se transformando em um corpo ambulante e numa personalidade do ambiente do hotel. É até curioso como o diretor consolida no filme uma certa normalidade mundana em todas as situações que se passam antes da chegada no hotel. A partir dali, o protagonista vive uma espécie de ciclo vicioso de problemas, em que se elucidam dentro de uma grande teoria da conspiração. Esse elemento, aliás, que diz muito sobre as influências que se bebem da fonte de Alfred Hitchcock e de Stanley Kubrick. É a loucura e a falta de uma razão nesse espaço que faz com que tenhamos esse andamento da história.

Mais curioso até que apenas a loucura do personagem principal e do título é também como esse ambiente vira louco por si só. Desse jeito, podemos ver uma espécie de efervescência política no ar (que parte bastante de Eugênio achar que querem que ele faça uma biografia do presidente), que traz diversas críticas ao atual governo do país. É como se esse local fosse um grande faroeste também, em que a morte e a espionagem acaba ficando acima de qualquer elemento. É até um ponto que traz bastante sentido para a narrativa e a forma como Muritiba traz isso – pelas tiradas cômicas -, só que seu andamento até o fim, causa uma espécie de repetição da mesma piada e de uma grande extrapolação desnecessária.

O grande elemento que faz de Jesus Kid um filme curioso é pelo fato de Aly Muritiba não ter medo de extrapolar todas as minimas questões metalinguísticas de seus personagens. Essa grande caricatura que é trabalhada não busca ser verdadeiramente um retrato crítico ou político do país, mas um grande pastiche de uma insanidade local. É como se realmente ainda não tivessemos chegado nesse ponto de loucura dentro do país, só que, como somos todos Eugênios, temos medo que a perseguição a nossa volta faz com que cheguemos até aí. E, dessa forma, o ciclo de matança e perda de senso apenas se reinicia.

Comentários

Cláudio Gabriel

É apaixonado por cinema, séries, música, quadrinhos e qualquer elemento da cultura pop que o faça feliz. Seu maior sonho é ver o Senta Aí sendo reconhecido... e acha que isso está mais próximo do que se espera.

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