Crítica: Late Night

A diversidade e a inclusão são elementos que estão em voga na mídia já há algum tempo. E, ao contrário do que pudesse ter sido indicado, não são assuntos que deixarão de ter relevância em algum futuro próximo. Pelo menos, não enquanto essa discussão ainda se fizer necessária. E esse é apenas um dos diversos tópicos abordados em Late Night, comédia em exibição no Festival do Rio.

No filme, acompanhamos duas mulheres com muito e nada em comum que se encontram no mesmo ambiente de trabalho. Katherine Newbury é uma famosa apresentadora de talk show, com uma extensa carreira de comediante antes disso. Molly Patel acabou de ganhar um concurso para conhecer qualquer executivo que quisesse, e é dessa maneira que ela consegue uma entrevista para se tornar parte da equipe de roteiristas do programa de Katherine. Embora não possua nenhuma experiência concreta, Molly é contratada por ser uma mulher de descendência indiana. Ao mesmo tempo, Katherine recebe a notícia de que pode perder seu emprego já que sua popularidade anda diminuindo com as mudanças de público e a recepção da internet. É aí que as novas ideias de Molly entram e começam a fazer a diferença no talk-show, muito a contragosto dos outros seis (homens, brancos e héteros) roteiristas.

Antes do lançamento, o comentário era de que Late Night seria a resposta do mundo da televisão ao mundo da mundo em O Diabo veste Prada, mostrando o embate entre uma líder com um aparente coração de ferro e uma otimista novata com muito a aprender sobre a área que está entrando. No entanto, após apenas alguns minutos é perceber como a comédia escrita por Mindy Kaling (que também estrela como Molly) é, mais do que uma comédia de ambiente de trabalho, uma reflexão bacana e bem humorada sobre a constante mudança do mundo do entretenimento, a importância de ocupar espaços que antes não eram pensados para você e questões de identidade no local de trabalho.

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Além de atriz, Kaling já possui muita experiência escrevendo comédia, tendo em seu currículo séries como The Office, The Mindy Project, Champions e Quatro Casamentos e um Funeral. Portanto, não é surpresa que o humor do filme funcione muito bem. É um elemento não só presente nos diálogos, rápidos e ácidos, mas também no que fica implícito entre as situações e conflitos dos personagens, além dos paralelos com personalidades e apresentadores de verdade. Seth Meyers, um dos mais populares apresentadores dos Estados Unidos, inclusive faz um ponta nos últimos minutos.

Porém, mais do que boas risadas, o texto também oferece personagens reais e complexos, que só acrescentam para o envolvimento do público com a história. Emma Thompson, sempre mais do que competente, cria com facilidade a complexa Katherine Newbury, uma mulher que construiu um império com seu carisma e bom humor, com um comportamento quase voraz por trás da câmeras, grosseiro e quase cruel, também escondendo sua parcela de segredos e tristezas. Ainda assim, há tempo suficiente para desenvolver a dualidade de Newbury, e é muito fácil para quem está assistindo ficar tão fascinado pela personagem e suas camadas quanto a Molly de Kaling parece estar.

A discussão da “vaga por cota racial” também se mostra válida e essencial. Quando Molly é contratada para ocupar a oitava vaga de roteirista do Late Night with Katherine Newbury, em uma equipe previamente composta apenas por homens brancos, ninguém da equipe faz questão de fingir que sua etnia não foi um fator de peso em sua contratação. Mas, assim como a própria Kaling fez, Molly mostra que dar espaço à novas vozes é essencial nos dias de hoje em qualquer ambiente de trabalho, em qualquer espaço que possa ser preenchido. Outro ponto positivo é o relacionamento desenvolvido entre Thompson e Kaling: uma relação profissional onde ambas se ajudam a melhorar e dar o melhor de si, doce sem forçar na fofura.

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Algumas coisas, porém, não funcionam: como o breve plot de adultério e exposição e o romance entre Molly e um colega roteirista. Mas nada disso atrapalha o resultado final. A direção de Nisha Ganatra não possui grandes atrativos ou diferenciais, mas é dinâmica o suficiente para ter um equilíbrio de ritmo com o roteiro e as atuações. Infelizmente, Late Night – Reinventando a comédia não fez muito barulho e só está chegando no Brasil quase seis meses após a estreia nos cinemas internacionais, o que é uma grande injustiça, já que é uma das comédias mais originais e eficientes do ano. Portanto, se puder passar no Festival do Rio e conferir essa pequena pérola, a chance é agora.

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