Crítica – Mis hermanos sueñan despiertos

Os momentos iniciais do longa chileno Mis hermanos sueñan despiertos (Meus irmãos sonham acordados) evocam liberdade. O sol toca as folhas de uma árvore, e vemos um campo gramado, com um muro ao lado. Dois jovens se sentam ali e começam a falar sobre o futuro, um deles comenta sobre a vontade de ser um famoso jogador de futebol, cuja fama sobe a cabeça e cai em desgraça. Apesar do teor sombrio da conversa, tudo é muito risonho, alegre. Até que uma sirene toca, a animação cessa, e a liberdade revela ser uma ilusão. O muro se revela alto, alto demais. Estamos dentro de uma prisão.

Os jovens são os irmãos Ángel (Claudio Arredondo), mais velho, e Franco (Sebástian Ayala). Não nos é revelado o motivo de estarem ali, mas sabemos que eles ainda estão aguardando o julgamento de fato. A mãe do par não quer saber mais deles, e a data de sua audiência segue indefinida. A situação faz com que a saúde mental de Franco se deteriore, e ele começa a se machucar. Um novo detento começa a pedir que os jovens façam uma rebelião, para que alguns deles possam fugir, Ángel é contra, mas o estado de seu irmão faz com que ele passe a considerar a ideia.

Mis hermanos sueñan despiertos é um “filme de prisão” um pouco diferente, porque pouco se enfatiza os aspectos de tal lugar. Quase não vemos guardas, por exemplo, exceto em momentos específicos. O longa da diretora Claudia Huaiquimilla busca destacar a construção desse espaço como um “quase lar” desses jovens, as relações construídas ali.

Por exemplo, há situações que caberiam mais em filme de romance juvenil, como os sentimentos de Ángel por uma jovem que fica em outro setor daquela instituição, mas que interagem juntos nas atividades mais “lúdicas” da prisão, em que os jovens podem brincar com câmeras fotográficas, praticar a escrita e etc. A relação entre os dois se desenvolve sem levar em conta – até certo ponto – o cenário ao seu redor, envolvendo a delicadeza e timidez típica dessas situações, como um olhar um pouco mais demorado para o rosto da amada, ou certa vergonha ao terem seus sentimentos evidenciados.

Mas é claro, a condição de cárcere afeta todas as relações, de um modo ou de outro. O ponto mais romântico do encontro de Ángel com sua amada envolve uma conversa sobre fugir dali, enquanto os dois olham a paisagem por meio de uma cerca. Por mais que os personagens do longa tenham construído esse espaço mais ou menos saudável, Mis Hermanos não perde de vista os aspectos opressivos do cenário, que tem seu custo naquelas vidas. Uma noite, um dos jovens sofre uma tentativa de estupro, e os sonhos de Ángel são marcados pela necessidade de liberdade.

Mis hermanos sueñan despiertos é um filme surpreendentemente delicado dado o assunto em questão, tentando mostrar o que é possível criar algo bom de uma situação ruim, como laços de amizade, mas que nem sempre é algo sustentável.

Esse texto é parte da cobertura do 74ª Festival de Locarno

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