Crítica – Crimes de Família

Crimes de Família abre com um plano um tanto tenso: em um corredor mal iluminado, vemos uma porta fechada com uma luz acessa, enquanto sombras podem ser vistas se movimentando dentro do cômodo. Isso até que a porta se abre e uma mulher, vestida de branco, manchada, lentamente sai do cômodo. Após os créditos iniciais, vemos os detalhes de uma casa, as fotos de família, tudo indicando que ali é uma residência “normal” de classe média, formada por mãe, pai e filho, já adulto. A aparente tranquilidade da cena só é erodida pela sequência prévia, e a conexão entre as duas, a princípio, não muito clara.

Apesar desses momentos iniciais apontarem para uma narrativa que aposta no contraste entre a superfície da calmaria familiar e os segredos sombrios que se escondem no seio desta, o diretor Sebastián Schindel tem outra perspectiva em mente ao acompanhar a casa Arrieta. O local é abalado por dois crimes: um, o do filho Daniel (Benjamín Amadeo), que após estuprar e ameaçar sua ex-mulher, foi preso e aguarda ser julgado, e o de Gladys (Yanina Ávila), empregada da família, a qual sufocou seu filho recém nascido no banheiro do apartamento.

Presa entre essas duas situações está Alicia (Cecília Roth), a matriarca dos Arrieta que não mede esforços para livrar seu filho da prisão, Ocorre assim o desgaste de seu marido, Ignácio (Miguel Ángel Solá), que, além de se preocupar com as repercussões do crime de Gladys, precisa tomar conta do filho de 5 anos da empregada, que sempre esteve com eles.

Schindel aposta em uma cronologia fragmentada para contar essas histórias, com o presente – Alicia e seus esforços para livrar Daniel – sendo entrecortadas com o futuro, que é Gladys prestando depoimento e passando por todas as burocracias relacionadas ao evento. Até que as duas linhas temporais se unem em certo ponto da narrativa. Essa decisão ajuda a evidenciar as diferenças de classe entre os dois ambientes, já que vemos em paralelo o tratamento que a empregada sem poder financeiro recebe junto aos desdobramentos do julgamento de um homem de família mais abastada. Enquanto ele tem pais cujos amigos são promotores de justiça, ela depende de um defensor público.

Mesmo assim, como um todo, o longa não lida com essas questões de classe de maneira mais profunda, simplesmente reconhecendo a existência e seguindo em frente. O desenvolvimento da narrativa da produção é de modo bem burocrático e morno. Isso enquanto Alicia é transformada por esses eventos trágicos, já que, pouco a pouco, ela tem o seu conceito de “família” alterado pela situação. Mas essa transformação não tem tanto impacto já que a narrativa se demonstra um tanto quanto acrítica em relação às atitudes da protagonista – que vão de racismo até interferência em investigação policial. Ela acaba por nunca ser confrontada sobre isso, nem temos muito acesso ao seu psicológico, Alicia simplesmente muda.

A jornada de “dondoca racista” para uma pessoa um pouco mais consciente pode ser até interessante, todavia isso requer um pouco mais de tato que o filme não tem. Em um momento, ela pinta Gladys como o demônio em pessoa pelo seu crime, enquanto endeusa seu filho. Contudo, não há uma investigação a fundo dessa dinâmica, é tudo superfície, já que, sem muitos problemas, Alicia passa a ser aceita em espaços e por pessoas que ela até então, demonizava.

Em suma, Crimes de Família não sabe muito bem o que deseja fazer com os elementos presentes na trama. O resultado é algo que só reconhece as ideias ali presentes, mas nunca consegue agregá-las de modo eficaz ao todo narrativo, o que ultimamente parece ser a marca registrada das produções originais da Netflix.

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